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Relatórios

 

Se antes da morte de Irmã Dorothy as ameaças eram feitas até pela rádio local, dando os nomes de quem seriam as vítimas, hoje a forma é outra. Ela existe de um jeito velado, inibida pela presença do Exército e da Polícia Federal, ali instalados depois do assassinato da freira. Mas a insegurança de trabalhadores rurais na cidade permanece a mesma. O fator principal dessa situação é a impunidade. Podem ser condenados os pistoleiros que atiraram em Dorothy – todos os habeas corpus pedidos pelos pistoleiros até agora foram negados –, mas poucos acreditam na condenação dos mandantes do crime.

 

Trabalhadores ligados a Irmã Dorothy continuam com medo da violência de fazendeiros em Anapu

 Evanize Sydow[1]

 Dez meses se passaram desde que Irmã Dorothy Mãe Stang foi covardemente assassinada em Anapu, no Pará, com nove tiros. A histórica violência de fazendeiros locais – ligados a políticos da região –, no entanto, continua colocando medo em trabalhadores e religiosos que trabalhavam com Irmã Dorothy.

 Pessoas desconhecidas aparecem do nada para pedir esmolas na casa das Irmãs com as quais Dorothy morava. Em seguida, da mesma forma inexplicada, pedem informações sobre a religiosa morta. Outros cercam a igreja da cidade querendo saber do andamento do caso. Há ainda as tentativas de assalto à casa do padre que mora ao lado das irmãs, e que também atua nos projetos nos quais Irmã Dorothy estava envolvida.

 Se antes da morte de Irmã Dorothy as ameaças eram feitas até pela rádio local, dando os nomes de quem seriam as vítimas, hoje a forma é outra. Ela existe de um jeito velado, inibida pela presença do Exército e da Polícia Federal, ali instalados depois do assassinato da freira. Mas a insegurança de trabalhadores rurais na cidade permanece a mesma.

 O fator principal dessa situação é a impunidade. Podem ser condenados os pistoleiros que atiraram em Dorothy – todos os hábeas corpus pedidos pelos pistoleiros até agora foram negados –, mas poucos acreditam na condenação dos mandantes do crime. Para Irmã Jane Dwyer, norte-americana que trabalhava junto de Dorothy em Anapu, o Estado colabora para a situação de insegurança, uma vez que tenta criminalizar a freira morta e aqueles que trabalhavam com ela. Para Irmã Jane, desde a morte em fevereiro, apesar das promessas feitas, a situação da questão agrária, pela qual Dorothy lutava, só recuou.

 Em maio deste ano, o processo que apura a morte da freira parecia estar sofrendo uma reviravolta. O juiz da comarca de Pacajá, Lucas do Carmo de Jesus, incitado pelo delegado de polícia da cidade, Marcelo Ferreira de Sousa Luz, decretou a prisão preventiva de seis pessoas, inclusive testemunhas de acusação. O decreto de prisão preventiva, de 13 de abril de 2005, só foi divulgado no dia 3 de maio, quando foi preso Luis Moraes de Brito, trabalhador rural que teve seu barraco derrubado e incendiado pelos pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, dias antes do assassinato de Irmã Dorothy. Esse fato gerou, inclusive, a última ida da freira à Polícia Civil de Anapu, acompanhada de Luís Moraes de Brito, para denunciar a ocorrência, bem como motivou queixa de Dorothy de que a Polícia Civil não dava garantia aos trabalhadores.

 O delegado de polícia, o mesmo que foi acusado por Irmã Dorothy de se omitir, requereu e obteve do juiz a prisão preventiva de pessoas que foram indicadas somente como Luís de Tal, Cláudio de Tal, Félix de Tal e Mundão de Tal, o que lhe deu a possibilidade de escolher contra quem fazer valer a ordem de prisão. Ou seja, nem o sobrenome dessas pessoas foi necessário para que fossem indiciadas. Geraldo Magela, também testemunha de acusação, teve sua prisão igualmente decretada. O julgamento dos executores diretos, Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, está marcado para os dias 9 e 10 dezembro, em Belém.

Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)

 Irmã Dorothy trabalhou para que fossem estruturados os PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável). O PDS combina o desenvolvimento de atividades produtivas, como cultura de cacau, café, pimenta-do-reino e urucum, com o assentamento humano de populações tradicionais ou não em áreas de interesse ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.

 Através da portaria 39 do Incra, de 13 de novembro de 2003, foram criados quatro PDS em Anapu, com o compromisso de assentar, de imediato, 600 famílias. O Incra acompanharia esse processo pelo Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), que contemplava assistência técnica, financiamentos e infra-estrutura.

 Um estudo da situação foi produzido e assinado por Irmã Dorothy, junto com representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, dos PDS e da Prefeitura de Anapu. Ali, ela conta o que aconteceu depois de publicada a portaria do Incra. “Ocorre que na mesma época a SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – ofereceu a possibilidade de muitos projetos no município, os quais somavam cerca de cem milhões de reais. Isso atraiu novos interessados nas terras de Anapu e a área do PDS começou a sofrer invasões.”

 Essas invasões são relatadas, caso a caso, no documento, que também traz um histórico sobre as terras de Anapu.

O território que hoje compõe o município de Anapu é originariamente de propriedade da União e está dividido em glebas de 3 mil hectares, as quais na década de 70 foram objeto de Contratos de Alienação de Terras Públicas celebrados com o Incra e particulares, pelo período de cinco anos, cujo objetivo era estabelecer empresas rurais tornando a terra produtiva. Caso não fosse atingido tal objetivo, o contrato seria extinto e a terra revertida para o patrimônio da União para ser destinada à reforma agrária.

 Dessa forma, as terras do Município jamais de desmembraram definitivamente do domínio da União, apesar dos contratantes iniciais terem vendido para terceiros sem deterem a propriedade, originando aí uma série de grilagens e dilapidação do patrimônio público que perduram até hoje. Por isso, as terras de Anapu classificadas pelos fazendeiros como propriedade privada são, na verdade, terras públicas griladas.



[1] Evanize Sydow é jornalista da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos