A diversidade cria identidades
locais e ambientais. Liga território, práticas sociais,
ambiente e cultura. Cimenta identidades culturais que se
transformam em trincheiras de resistência. Produz sujeitos
políticos coletivos que lutam por direitos, por tradições,
por sobrevivência e por perspectivas de futuro sem destruição
de sua própria história e seus meios de vida. Levanta o
desafio do diálogo, do respeito
e da construção da unidade política entre várias
culturas e identidades camponesas para a luta comum pelo
direito à existência e pelo direito à construção do futuro.
Agricultura
camponesa
Frei
Sérgio Antônio Görgen*
Agricultura
camponesa não é só um jeito de produzir no campo. É um
modo de viver. É
uma cultura própria de relação com a natureza. É uma forma
diferenciada de vida comunitária.
Na
agricultura camponesa o trabalho é familiar, não
assalariado, não capitalista. Mas esta forma de agricultura não
se define só pela forma como trabalha.
A
família camponesa vive e sobrevive com pouca terra. Esta
agricultura se faz em pequenas áreas de terra. Nisto se
distingue da agricultura latifundiária, feita em grandes áreas
e com trabalho alheio.
A
agricultura camponesa prima pela diversificação na produção.
Não é monocultora. Combina produção animal com produção
vegetal e faz agricultura e criação de animais o ano todo.
A
produção para o auto-consumo, para a subsistência familiar,
tem um papel importante na agricultura camponesa. Junto com a
posse da terra é um dos elementos fundamentais da constituição
do espaço de liberdade proporcionado por esta forma de
produzir alimentos e de viver.
Os
laços de família são fortes componentes do modo de existir
e da cultura camponesa. Alguns teóricos, como o russo
Alexander Chaianov – um dos principais estudiosos da
agricultura camponesa em todos os tempos -
vêem na reprodução da família camponesa
e dos objetivos que ela própria se coloca, o grande
motor da atividade econômica da agricultura camponesa. Por
exemplo, se uma família camponesa se coloca – consciente ou
inconscientemente - objetivos de vida modestos, vai organizar
sua vida econômica em função disto. Já outra família
camponesa pode colocar como objetivo formar filhos na
Universidade e este objetivo conduzirá suas decisões na
organização da produção e suas relações com o mercado.
A
comunidade é um elemento central no modo de vida camponês.
Destruir suas comunidades é destruí-lo por inteiro. Na
comunidade há o espaço da festa, do jogo, da religiosidade,
do esporte, da organização, da solução dos conflitos, das
expressões culturais, das datas significativas, do
aprendizado comum, da troca de experiências, da expressão da
diversidade, da política e da gestão do poder, da celebração
da vida (aniversários) e da convivência com a morte
(ritualidade dos funerais). Tudo adquire significado e todos têm
importância na comunidade camponesa. Nas comunidades
camponesas as individualidades têm espaço. As que contrastam
com o senso comum encontram meios de influir. Os discretos são
notados. Não há anonimato na comunidade camponesa. Todos se
conhecem. As relações de parentesco e vizinhança adquirem
um papel determinante nas relações sociais do mundo camponês.
Nisto se distingue profundamente das culturas urbanas e suas
mais variadas formas de expressão.
Uma
marca forte da agricultura camponesa no Brasil é a
diversidade. Diversidade cultural a partir de raízes
culturais diferentes e de jeitos diferentes de se relacionar
com a natureza, pois em contato com mundos naturais
diferentes. O Brasil é grande e diverso. Os camponeses
brasileiros são muitos e têm na diversidade uma de suas
riquezas. Soube adaptar-se ao mundo onde fincou o pé. Por
isto que o campesinato brasileiro faz de tudo, produz de tudo,
de várias formas, nos diversos biomas, nos inúmeros
agroecosistemas, nos centenas de microclimas, de forma
integrada, convivendo com as especificidades de cada local,
vivendo com o que a natureza responde sem ser agredida e
destruída em cada cantão, encosta de serra, beira de rio,
fundo de pasto, mata adentro, sob chuva intermitente, sob sol
causticante, sob geada de inverno: o melhor mapa rural do
Brasil é o mapa da diversidade da presença camponesa.
A
diversidade cria identidades locais e ambientais. Liga território,
práticas sociais, ambiente e cultura. Cimenta identidades
culturais que se transformam em trincheiras de resistência.
Produz sujeitos políticos coletivos que lutam por direitos,
por tradições, por sobrevivência e por perspectivas de
futuro sem destruição de sua própria história e seus meios
de vida. Levanta o desafio do diálogo, do respeito
e da construção da unidade política entre várias
culturas e identidades camponesas para a luta comum pelo
direito à existência e pelo direito à
construção do futuro.
A
diversidade cultural e produtiva própria da vida camponesa é
a melhor maneira de lidar com a biodiversidade. Por isto os
camponeses são os melhores guardiães
da mãe natureza na arte necessária de produzir
alimentos para sustentar a humanidade.
Não
existe agricultura camponesa em estado puro. Ela está sempre
marcada por contradições e enfrentamentos para sua própria
afirmação, assim como as permanentes pressões para seu
desaparecimento. Vive um processo continuado de afirmação e
de tentativas de varrê-la do mapa. Sua existência é sua
resistência e sua luta permanente.
No
momento histórico em que vivemos ela está sob pressão do
mercado capitalista que a força às migrações constantes, a
inserir-se no mercado internacional, a produzir monoculturas,
a fornecer mão-de-obra para as empresas capitalistas, a
endividar-se no sistema financeiro, a integrar-se com agroindústrias,
a ser complementar à produção dos latifúndios, a consumir
o pacote tecnológico das multinacionais.
Agricultura
camponesa e o modo de vida camponês é, ao mesmo tempo, um
patrimônio histórico da sociedade humana, um processo
contraditório de construção coletiva e uma utopia de vida
para uma grande parte da sociedade.
*
Frei Sérgio Antônio Görgen é Deputado Estadual pelo PT
(RS)
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