Pagina Principal  

Relatórios
 

A maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho não tem sido de assalariados, mas de ocupações sem remuneração, por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, entre outras. No Brasil, no entanto, o trabalho por conta própria que realmente tem expandido é o tradicional, mais conhecido por autônomo para o público, que se caracteriza, em geral, por ser portador de insuficientes condições de trabalho e remuneração. Atualmente, o desemprego transformou-se num fenômeno complexo e bem heterogêneo, atingindo de forma generalizada a praticamente todos os segmentos sociais, inclusive as camadas de maior escolaridade e profissionais com experiências em níveis hierárquicos superiores e em altos escalões de remuneração. Pode-se concluir, portanto, que não há mais estratos sociais imunes ao desemprego no Brasil.

  

A negação do direito ao trabalho

Marcio Pochmann[1]

O fenômeno do desemprego em massa no Brasil é uma realidade incontestável a partir da década de 1990. No ano de 2002, por exemplo, o Brasil registrou a quarta posição no ranking mundial do desemprego. No total de desempregados, o Brasil perdeu apenas para a Índia, Indonésia e Rússia.

Em 1986, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking do desemprego mundial. Mas, desde o início da década de 1990, o universo das pessoas sem trabalho assumiu uma maior dimensão, sendo, a partir de 1994, responsável pela projeção do país no bloco dos quatro países do mundo com maior volume de desempregados.

Apesar de representar 3,1% da força de trabalho de todos os países, o Brasil possuía 6,6% do desemprego mundial. Mesmo tendo menos população que a China e os Estados Unidos, a quantidade de desempregados era maior no Brasil dos anos 90.

Neste início do século XXI, o Brasil segue pertencendo ao grupo de países com maior quantidade de desempregados no mundo. Ademais, o desemprego seguiu elevado absorvendo grandes parcelas da força de trabalho nacional.

Em grande medida, a massificação do desemprego revela algo mais amplo que decorre do movimento geral de desestruturação do mercado de trabalho no Brasil. Cabe destacar, no entanto, que por quase cinco décadas da industrialização nacional (1930 – 1980), houve avanços consideráveis em termos de estruturação da sociedade salarial, com amplo assalariamento, especialmente dos postos de trabalho com carteira assinada e quase ausente desemprego aberto.

Com o movimento de desestruturação do mercado de trabalho a partir dos anos 80, ganhou maior dimensão o desemprego aberto associado ao desassalariamento e à generalização de postos de trabalho não assalariados e extremamente precários. O desassalariamento, por sua vez, constituiu uma novidade no Brasil quando comparado à evolução ocupacional em todo o século XX. Ao mesmo tempo, a perda de participação do emprego assalariado no total da ocupação indica a força de uma mudança substancial na estrutura ocupacional do país.

Entre a abolição da escravidão, no último quartel do século XIX e a década de 1980, a evolução do emprego assalariado foi positiva, salvo nos períodos especiais, quando a conjuntura econômica foi recessiva, como nos períodos 1929-32, 1980-83 e 1990-92 ou quando houve ainda uma profunda modificação técnica na estrutura produtiva, como na renovação tecnológica nas indústrias têxteis durante a década de 1950 e parcialmente nos anos 90 no Brasil. Mas sempre que houve expansão da produção, a geração de empregos formais se mostrou superior à criação de outras formas de ocupação.

Durante as décadas de 1940 e 1970, por exemplo, a cada 10 postos de trabalho gerados, 8 eram empregos assalariados, sendo 7 com carteira assinada. Entretanto, nos anos 90, a cada 10 empregos criados, somente 4 foram assalariados.

A diminuição na participação dos empregos assalariados no total da ocupação tem sido fortemente influenciada pela redução dos empregos assalariados com registro. Os empregos assalariados sem registros continuaram aumentando ao longo da década de 1990, todavia com taxas de variação insuficientes para compensar a perda das vagas assalariadas com registro. Em 2003, por exemplo, a cada 2 ocupados 1 era assalariado, enquanto em 1980, 2 a cada 3 ocupados eram assalariados em todo o país.

A expansão nas formas de inserção da População Economicamente Ativa (PEA) referentes às ocupações de baixa produtividade e precárias condições de trabalho também marca o contexto mais amplo da crise atual do emprego no Brasil. A maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho não tem sido de assalariados, mas de ocupações sem remuneração, por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, entre outras.

Deve-se notar, por exemplo, que as ocupações por conta própria podem ser muitas vezes identificadas como uma das novas formas de inserção ocupacional moderna, especialmente no caso do trabalho autônomo para a grande empresa, pois surge em condições de remuneração e trabalho mais favoráveis (técnicos especializados e mão-de-obra com alta escolaridade, com maior experiência profissional). No Brasil, no entanto, o trabalho por conta própria que realmente tem expandido é o tradicional, mais conhecido por autônomo para o público, que se caracteriza, em geral, por ser portador de insuficientes condições de trabalho e remuneração.

Por conta disso, o grau de precarização da força de trabalho voltou a aumentar a partir da década de 1990. Até então, predominava a tendência de redução das formas de subutilização do trabalho, tradicionalmente identificadas pelo desemprego e pelas ocupações sem remuneração e conta própria.

Além do expressivo montante de pessoas desempregadas, cabe ressaltar também a drástica alteração na composição do desemprego. Em outras palavras, o desemprego mudou de perfil, deixando de ser um fenômeno que atingia, no passado recente, segmentos específicos do mercado de trabalho como jovens, mulheres, negros e pessoas sem qualificação profissional, analfabetos e trabalhadores com pequena experiência profissional. Em síntese, o desemprego era um fenômeno relativamente homogêneo que se concentrava em poucos segmentos da força de trabalho.

Atualmente, o desemprego transformou-se num fenômeno complexo e bem heterogêneo, atingindo de forma generalizada a praticamente todos os segmentos sociais, inclusive as camadas de maior escolaridade e profissionais com experiências em níveis hierárquicos superiores e em altos escalões de remuneração. Pode-se concluir, portanto, que não há mais estratos sociais imunes ao desemprego no Brasil.

Não obstante o movimento geral de desestruturação do mercado de trabalho, com a presença marcante do desemprego nacional, as políticas públicas para o trabalho permaneceram distantes dessa complexa realidade. Isso pode ser observado tanto por sua  enorme fragmentação, baixa cobertura social, escassos recursos públicos, sobreposição de funções, privatização das ações, desvios de objetivos e elevados custos meios.

Inegavelmente, constrange saber que o país que privilegia o direito de propriedade privada, seja incapaz de se comprometer com uma política econômica e social do pleno emprego. Por conta disso, o direito ao trabalho no Brasil continua ser recorrentemente negado, o que condena milhões de chefes de família a sobreviver nas condições de extrema miséria, bem como leva ao conjunto da juventude ao abandono de suas justas perspectivas de mobilidade social.



[1] Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.