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Relatórios
 

Tem crescido o número de casos de despejos e deslocamentos forçados oriundos de reintegrações de posse. O mais grave foi o caso ocorrido no mës de fevereiro de 2005, no Parque Oeste Industrial, no Assentamento Sonho Real, na cidade de Goiania, que gerou  duas mortes e 24 feridos (informações oficiais do dia 16 de fevereiro de 2005). A remoção e a destruição das moradias de aproximadamente  4 mil famílias e a formação de uma favela no entorno do ginásio esportivo destinado a abrigar  provisoriamente a população removida. Outra situação que destacamos é o impacto social dos casos de despejos  ocorridos nos  meses de agosto e setembro de 2005 em imóveis ocupados por movimentos de moradia na área central da cidade de São Paulo, que resultou  pela população despejada na formação de  uma  favela nas Ruas Plínio Ramos e Mauá, no centro da cidade.

 

 Por um Plano Nacional de Combate aos Despejos e Deslocamentos ForÇados e de ProteÇÃo do Direito Humano A Moradia Adequada e do Direito À Cidade

 Nelson Saule Júnior*

Leticia Osorio**

Patricia de Menezes Cardoso***

 

 I- Necessidade de Enfrentar a Questão dos Despejos e Deslocamentos Forçados

 

O novo milênio aponta para um crescimento mundial da população vivendo nas cidades, considerando que  a metade da população mundial vive em aglomerados urbanos. Previsões chegam a estimar que em 2050 a taxa de urbanização no mundo chegará a 65%. As cidades como territórios de grande riqueza e diversidade econômica, ambiental, política e cultural serem governadas  de forma democrática de modo que sejam respeitados os direitos de seus habitantes são um desafio para a humanidade neste novo milênio.

Nossas vivências  nas cidades, buscando serem criadas condições para vivermos em harmonia, paz e felicidade, tem combatido, os modelos de sociedade com elevados  padrões de concentração de riqueza  e de poder, que são usufruídos por um reduzido número de pessoas e aglomerados econômicos, bem como tem enfrentado os processos acelerados de urbanização que contribuem para a depredação do meio ambiente e para a privatização do espaço público, gerando empobrecimento, exclusão e segregação social e espacial.

As cidades como espaço social  que  ofereçam  condições e oportunidades eqüitativas aos seus habitantes de viverem com dignidade, independente das características sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade, felizmente continuam  sendo o objetivo de muitos indivíduos, grupos sociais, organizações da sociedade, movimentos populares, instituições religiosas, partidos políticos, gestores públicos,  compromissados em alcançar um vida composta de felicidade, paz, harmonia e solidariedade para as pessoas humanas nas cidades.

Para a existência de cidades, justas, humanas, saudáveis e democráticas é preciso incorporar  os direitos humanos  no campo  da governança urbana, da gestão e das políticas públicas, visando a obtenção de resultados de impacto à eliminação das desigualdades sociais, às praticas de discriminação em todas as suas formas da segregação de  indivíduos, grupos sociais e comunidades  em razão do tipo de moradia  e localização dos assentamentos em que vivem.

O controle da sociedade sobre as políticas públicas e megaprojetos de desenvolvimento – como o de requalificação de  centros urbanos, ampliação de aeroportos, que geram grande impacto social e resultam, na maioria das vezes, em obstáculos e violações aos direito à moradia e ao direito à cidade sustentável - tem sido um grande desafio para diversos atores compromissados com um mundo mais justo, solidário e pacífico.

Em diversas regiões do mundo são muitas as  experiências de lutas sociais para modificar os modos de governar, planejar e desenvolver as cidades, de modo que os seus habitantes se apropriem e usufruam a riqueza tanto no aspecto econômico como também na produção do conhecimento e da cultura. Estas experiências e iniciativas de grupos e segmentos da sociedade que tem como paradigma  os direitos humanos precisam se tornar referências para os organismos internacionais, governos nacionais e locais.

Com relação ao  processo de construção de cidades justas, humanas, saudáveis e democráticas  no Brasil destacamos a necessidade do Estado Brasileiro enfrentar com responsabilidade e seriedade a questão dos despejos e deslocamentos forçados  que tem  ocorrido em várias cidades  brasileiras.  A organização internacional de proteção do direito à moradia COHRE  tem apontado  como a questão dos despejos é grave em várias regiões do mundo, documentando casos envolvendo cerca de 4,3 milhões de pessoas em 63 países que foram despejadas forçadamente de suas casas no período de 1998-2000. Freqüentemente esses despejos são acompanhados de violência severa, com vítimas detidas, presas, machucadas, torturadas e, em alguns casos, até mortas. Poucas nações em exceção – incluindo fortes defensoras dos direitos humanos onde o governo da lei prevalece – têm tido sucesso na proteção da multiplicidade de pessoas que ilegalmente, arbitrariamente ou injustamente são despejadas.

Tem crescido o número de casos de despejos e deslocamentos forçados oriundos de reintegrações de posse. O mais grave foi o caso ocorrido no mës de fevereiro de 2005, no Parque Oeste Industrial, no Assentamento Sonho Real, na cidade de Goiania, que gerou  duas mortes e 24 feridos (informações oficiais do dia 16 de fevereiro de 2005). A remoção e a destruição das moradias de aproximadamente  4 mil famílias e a formação de uma favela no entorno do ginásio esportivo destinado a abrigar  provisoriamente a população removida. Outra situação que destacamos é o impacto social dos casos de despejos  ocorridos nos  meses de agosto e setembro de 2005 em imóveis ocupados por movimentos de moradia na área central da cidade de São Paulo, que resultou  pela população despejada na formação de  uma  favela nas Ruas Plínio Ramos e Mauá, no centro da cidade.

Tem sido uma preocupação constante de diversas organizações não-governamentais e movimentos sociais que participam do Fórum Nacional de Reforma Urbana o aumento sistemático de despejos forçados de populações de baixa renda que vivem em áreas informais de moradia em todo o país, empreendidos pelos governos federal, estadual e municipal, por proprietários e empresas privadas e por políticas de desenvolvimento financiadas pelos Bancos Mundial, Interamericano de Desenvolvimento e governo federal.

Em 18 de marco de 2005, o Conselho das Cidades aprovou a Resolução No. 31 que propõe o estabelecimento de um processo de discussão entre os órgãos do Poder Judiciário e instituições essenciais à justiça e o Conselho das Cidades no que tange à atuação do Judiciário em conflitos relativos aos deslocamentos e despejos de grande impacto social, e também a criação de um grupo no âmbito do Comitê Técnico de Habitação com a participação de representantes do Comitê de Planejamento Territorial Urbano, com a finalidade de mapear os conflitos relativos a deslocamentos e despejos no país e a sugerir soluções estruturais.

Esta responsabilidade em formular um plano nacional para atuar nas situações de despejos e deslocamentos deve ser principalmente do Conselho Nacional de Justiça.

Para viabilizar o combate às violações do direito à cidade e o direito à moradia decorrente do aumento sistemático de despejos de população de baixa renda, apresentamos a seguir um conjunto de medidas que entendemos serem necessárias, visando a prevenção de despejos forçados no Brasil, tendo por base a legislação internacional de direitos humanos.

Os Estados que ratificaram o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), como é o caso do Brasil, estão obrigados a “utilizar todos os meios apropriados para promover e defender o direito à moradia e proteger contra despejos forçados”. Isso pode ser atingido por um conjunto de ações visando a revisão da legislação nacional de forma a melhor compatibilizá-la com os princípios e normas internacionais de direitos humanos, da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001). A compatibilização da legislação nacional tem o objetivo de proibir a prática de despejos forçados e violentos e propor proteções processuais para garantir proteção e consulta à população afetada.

Como premissa para a adoção dessas medidas  é  de observar o Comentário Geral No. 7 sobre o Direito à Moradia (E/C.12/1997/4) das Nações Unidas relativo ao Pacto internacional dos DHESC. Este comentário constitui-se na interpretação legal principal sobre o direito de ser protegido contra despejos forçados adotado pelo Comitê DESC em 1997. Esse Comentário detalha o que os governos, proprietários e instituição devem fazer para prevenir despejos forçados:

 

-         Os despejos forçados são incompatíveis com os dispositivos do PIDESC;

-         Um despejo forçado é a “remoção permanente ou temporária de indivíduos, famílias e/ou comunidades, contra sua vontade, das casas e/ou terras que ocupam. A proibição de despejos forçados não se aplica, entretanto, aos despejos implementados pela força de acordo com a lei e em conformidade com as disposições dos Tratados e Pactos de Direitos Humanos“;

-         Os despejos forçados em geral violam outros direitos humanos, tais como o direito à vida, o direito à segurança da pessoa, o direito à não-interferência na privacidade, família e moradia, e o direito ao exercício pacífico de suas posses.

-         Antes de implementar qualquer tipo de despejo, os governos devem assegurar que todas as alternativas viáveis foram exploradas em processos de consulta às pessoas afetadas, com a visão de evitar ou, no mínimo, minimizar o emprego da força.

-         Remédios ou processos legais devem ser providenciados para aqueles afetados por ordem de despejos;

-         Os governos devem assegurar que todos os indivíduos afetados têm direito à compensação adequada de toda propriedade ou posse afetada;

-         Nos casos em que os despejos são considerados justificáveis, eles devem ser implementados em estrito cumprimento das provisões da legislação internacional de direitos humanos e de acordo com os princípios de razoabilidade e proporcionalidade;

-         Os despejos não podem resultar em indivíduos sem moradia ou vulneráveis a violações de outros direitos humanos, e quando aqueles afetados não puderem encontrar uma solução por eles próprios, o Estado devem adotar as medidas adequadas, utilizando o máximo dos recursos disponíveis para assegurar alternativas adequadas de moradia, reassentamento ou acesso à terra produtiva.

 

 II - Propostas e Recomendações ao Grupo de Trabalho do Conselho das Cidades e ao Conselho Nacional de Justiça

 

1. Da atuação do Grupo de Trabalho

 

a) O Grupo de Trabalho deverá propor ações e discussões abrangendo órgãos e instâncias das Nações Unidas (UN Habitat, UNDP, Relatoria Especial da Moradia Adequada), os governos estaduais e municipais, órgãos do governo federal (Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Secretaria do Patrimônio da União, Secretaria Especial de Políticas Públicas de Inclusão Racial, Secretaria Especial dos Direitos da Mulher, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério de Minas e Energias, Ministério do Meio Ambiente, INCRA, FUNAI), órgãos do Poder Judiciário (Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Corredorias-Gerais de Justiça, Defensorias Públicas, justiça federal e estadual), as organizações não-governamentais e os movimentos sociais.

 

b) O Grupo de Trabalho deve ser responsável por propor, recomendar e monitorar políticas e ações de prevenção aos despejos forçados aos órgãos, instituições e movimentos acima indicados.

 

c) O Grupo de Trabalho deve realizar reuniões de planejamento e avaliação e produzir relatórios semestrais sobre as suas análises e atividades relativas à prevenção dos despejos forçados.

 

d) O Grupo de Trabalho deve ser constituído por representantes de ONGs, movimentos sociais, governo federal (mínimo Ministério das Cidades e SEDH) e setor privado. Uma equipe de assessoria técnica do Ministério das Cidades deverá trabalhar em conjunto com o Grupo de Trabalho, desempenhando um papel ativo nas ações e políticas de prevenção de despejos a ser implementado pelo Ministério e Conselho das Cidades.

 

e) O Grupo de Trabalho poderá convidar para participação em discussões específicas e relevantes representantes da sociedade civil, de movimentos sociais, organizações não-governamentais, setor privado.

 

2. Das atividades e ações a serem implementadas pelo Grupo de Trabalho e equipe técnica do Ministério das Cidades

 

a) Junto aos órgãos do governo federal com interface na temática dos despejos forçados

·        Levantamento das áreas de propriedade da União e órgãos da administração direta e indireta cujos ocupantes que se constituem em famílias de baixa renda estão sofrendo ações de despejos, visando a proposição de soluções negociadas que respeitem o direito à moradia das famílias afetadas para serem apresentadas nos respectivos processos administrativos ou judiciais;

·        Levantamento dos despejos sendo executados pela CEF contra mutuários por inadimplência, contrato de gaveta ou ocupação sem título, visando a proposição de soluções negociadas que respeitem o direito à moradia das famílias afetadas para serem apresentadas nos respectivos processos administrativos ou judiciais;

·        Receber denúncias e informações de despejos sendo implementados contra populações de baixa renda em situação de ocupação irregular, loteamento clandestino, conjunto habitacional, cortiços, comunidades tradicionais de quilombos e indígenas, identificar os órgãos envolvidos e propor soluções e recomendações para evitar os despejos.

·        Propor que o Fundo Nacional de Moradia preveja recursos para desapropriação ou compra de áreas visando à solução de conflitos fundiários em áreas em litígio e/ou o reassentamento adequado das famílias de baixa renda afetados, em parceria com os Estados e Municípios.

·        Propor políticas específicas para a prevenção de despejos forçados contra mulheres, crianças, grupos vulneráveis e minorias étnicas, raciais e sexuais.

 

b) Junto aos Estados e Municípios

·        Inserir como requisito dos Planos de Trabalho do Ministério das Cidades para acessar recursos do OGU, quando houver relação com o objeto, a formulação de políticas e instrumentos para prevenção de despejos forçados.

·        Informar a existência dos Grupos de Trabalho e suas competências, incentivando Estados e Municípios a constituir equipes técnicas para prevenção e monitoramento de despejos forçados.

 

c) Junto ao Poder Judiciário

·        Realizar um seminário/oficina de discussão com as Associações de Procuradores Federal e Estaduais, Associações de Juízes, Corregedorias-Gerais de Justiça dos Tribunais Estaduais, Conselho Federal da OAB e Associação de Defensores Públicos para discutir a adoção de resoluções/recomendações/provimentos que visem a implementação de regras processuais civis e penais que asseguram a proteção do direito à moradia da população de baixa renda ameaçada de despejos, de forma a garantir: defesa legal, assessoria jurídica gratuita, não concessão de liminares sem ouvida da comunidade afetada, não realização do despejo em condições adversas, garantir citação e intimação pessoal das partes afetadas, informação aos governos federal, estadual e municipal sobre o despejo, de forma a buscar alternativa adequada de reassentamento etc.

·        Difundir e ampliar o conhecimento sobre a legislação internacional de direitos humanos, em especial os dispositivos que tratam do direito à moradia adequada e proteção aos despejos forçados constantes dos Tratados e Pactos Internacionais de Direitos Humanos e sua aplicabilidade, no meio jurídico, Poder Judiciário, Faculdades de Direito e entidades de advogados.

 

d) Junto à sociedade civil

·        Monitorar e propor soluções para os despejos forçados em conjunto com a Relatoria Nacional do Direito à Moradia Adequada, o FNRU, os movimentos sociais, os Conselhos Estaduais e Municipais das Cidades.

 

e) Junto aos organismos das Nações Unidas e OEA

·        Realizar um levantamento de todos os casos de despejos forçados do Brasil relatados/denunciados aos organismos das Nações Unidas e OEA, em conjunto com a SEDH e Ministério das Relações Exteriores, visando identificar os casos pendentes.

·        Fornecer informações sobre despejos forçados aos órgãos do governo federal incumbidos de elaborar relatórios sobre a situação dos DESC no país.

·        Realizar discussões sobre a prevenção de despejos forçados com órgãos da ONU e OEA, em especial: UN Habitat/Rio, UN Habitat - Advisory Group on Forced Evictions, Relator Especial da ONU para a Moradia Adequada.

 

3. Do processo de discussão social do tema dos despejos forçados

 

a) Incluir nas discussões dos planos diretores – aplicação de instrumentos e políticas não podem resultar em despejos forçados e pessoas/comunidades sem moradia ou sem terra.

b) Incluir no processo de Conferência das Cidades, nos temas da segurança da posse e da política habitacional.

c) Incluir como item de discussão nos Cursos de Capacitação de Planos Diretores Participativos em implementação pelo Ministério das Cidades.

 

 

 III -RECOMENDAÇÕES AOS MUNICÍPIOS

Os  municípios devem adotar as seguintes medidas visando o estabelecimento de garantias legais e políticas de prevenção de despejos forçados:

 

a) Integrar-se com o Grupo de Trabalho  constituído pelo Conselho das Cidades/ Ministério das Cidades para propor ações e discussões abrangendo os governos estaduais e municipais, órgãos do governo federal, órgãos do Poder Judiciário (Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Corredorias-Gerais de Justiça, Defensorias Públicas, justiça federal e estadual), as organizações não-governamentais e os movimentos sociais.

 

b) Constituir grupos de trabalho interdisciplinar e equipes técnicas para discutir políticas e ações de prevenção e monitoramento de despejos forçados. Capacitar os funcionários públicos municipais e os integrantes de conselhos municipais de discussão/formulação de políticas públicas sobre os temas do direito à moradia e prevenção de despejos forçados.

 

c) Difundir e ampliar o conhecimento sobre a legislação internacional de direitos humanos, em especial os dispositivos que tratam do direito à moradia adequada e proteção aos despejos forçados constantes dos Tratados e Pactos Internacionais de Direitos Humanos e sua aplicabilidade, no meio jurídico, Poder Judiciário, Faculdades de Direito e entidades de advogados.

 

d) Divulgar junto à sociedade, especialmente junto aos setores mais pobres e vulneráveis à remoções, a legislação nacional, especialmente o Estatuto da Cidade e na Medida Provisória  2.220/2001, como forma de garantia do direito à moradia adequada. Recomenda-se a utilização de meios tais como a confecção e distribuição de material impresso (cartilhas, folhetos, etc.),"releases" e inserções em rádios, televisões e jornais, etc. e atenção especial à sensibilização dos grandes meios de comunicação existentes no município para o tema.

 

e) Realizar um levantamento de todos os casos de despejos forçados em andamento no município, mediante consulta ao Poder Judiciário e Ministério Público.

 

f) Incluir nas discussões dos planos diretores medidas para assegurar que a aplicação de instrumentos, políticas e financiamentos públicos não podem resultar em despejos forçados e pessoas/comunidades sem moradia ou sem terra.

 

g) Incluir o tema da prevenção dos despejos no processo de Conferência das Cidades, nos temas da segurança da posse e da política habitacional.

 

h) Dialogar com outras instâncias federais e estaduais e com a sociedade civil organizada, sobre medidas e políticas a serem adotadas para a prevenção de despejos forçados.

 

IV - Proposta Preliminar para Discussão de Projeto de Lei Estadual para a Criação de Comissão de Prevenção de Conflitos Fundiários (CPCONF)

   

Art. 1º - O Poder Executivo Estadual criará com o objetivo de prevenir e conciliar conflitos fundiários que dêem ensejo a prática de desocupações forçadas de assentamentos informais de famílias de baixa renda que estejam garantindo o cumprimento da função social da propriedade de imóvel urbano ou rural, público ou particular.

 

§1º – Desocupação Forçada é a remoção permanente ou temporária de indivíduos, famílias e/ou comunidades, contra sua vontade, das casas e/ou terras que ocupam, decorrente de ações judiciais e administrativas, como ações possessórias movidas por particulares ou entes públicos, implementação de projetos públicos de intervenção urbana ou de grande impacto socioambiental.

 

§2º – As desocupações implementadas pela força de acordo com a lei, de acordo com os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, e em conformidade com as disposições dos Tratados e Pactos de Direitos Humanos não são consieradas desocupações forçadas.

  

    Art. 2º – A Comissão de Prevenção de Conflitos Fundiários (CPCONF) tem como atribuições:

 

I - discutir e propor alternativas para a garantia do direito à moradia adequada dos afetados mediante o atendimento habitacional, acesso à terra ou reassentamento adequado das famílias, de forma a evitar a piora em sua qualidade de vida e a garantir a concretização dos Direitos Humanos;

 

II - assegurar que todas as alternatives viáveis foram exploradas em processos de consulta às autoridades competentes e pessoas afetadas para a solução pacífica do conflito, bem como para evitar ou minimizar o emprego da força.

 

III – emitir recomendações de ofício às autoridades competentes quanto às alternativas deliberadas pela Comissão, devidamente motivadas por parecer, a fim de prevenir a prática de desocupações forçadas e garantir o cumprimento da função social da propriedade.

 

IV – providenciar o acesso à justiça gratuita ao grupo afetado, garantindo a todos os indivíduos afetados o direito à compensação adequada de toda propriedade ou posse afetada;

  

    Art. 3º – A CPCONF deverá atuar nos casos em que os afetados não puderem encontrar

    uma     solução habitacional ou fundiária por eles próprios, por sua condição de vulnerabilidade

   no que diz respeito a renda, raça, genêro, faixa etária, e outras circunstâncias que justifiquem

    o interesse público na defesa do direito à moradia adequada do grupo afetado.

 

§1º - Por solicitação de qualquer parte interessada no processo, serão encaminhadas à CPCONF cópias, ou qualquer outra forma de comunicação do processo contendo o número do processo e da Vara, das ações possessórias e processos administrativos relacionadas a assentamentos rurais e urbanos;

 

Art.4º - A CPCONF será composta por 10 membros indicados dos seguintes segmentos:

 

I - 3 membros do Governado do Estado, sendo 1 representante da Secretaria Estadual de Habitação, 1 do Instituto de Terras do Estado de São Paulo - ITESP e 1 membro da Casa Civil (Secretaria de Segurança Pública),

II - 1 membro indicado pelo Poder Judiciário,

III - 1 membro indicado pelo Poder Legislativo,

IV - 1 membro indicado pelo Ministério Público,

V - 1 membro indicado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo,

VI - 1 membro indicado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil),

VII - 1 membro indicado pelo CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana),

VIII – 2 membros indicado pelos movimentos sociais, sendo um do segmento urbano e outro do rural;

 

§1º - A CPCONF contará com apoio técnico do Governo Federal, do Estado e das Prefeituras do Estado de São Paulo, por meio dos órgãos que atuam na resolução dos problemas de assentamentos rurais e os problemas ligados à habitação e desenvolvimento urbano;

 

Art. 5º  A CPCONF elaborará parecer sobre a ação possessória no prazo máximo de trinta dias (30 dias) e encaminhará cópias dos respectivos pareceres:

 

I – Ao Magistrado competente;

II – Ao Governador do Estado;

III – Ao Secretário de Segurança Pública;

 

      Parágrafo único: O parecer de que trata esse artigo tem o objetivo de contribuir para o respeito aos direitos dos envolvidas no processo recomendando a melhor alternativa para a solução pacífica do conflito.

 

         Art. 6º - Havendo decisão de desocupação de áreas ou despejos de famílias e requisitada

     a força policial para tanto pelo Poder Judiciário, o Poder Executivo comunicará de imediato

     e   antes do efetivo cumprimento da reintegração:

   

I - ao Prefeito do município em que se situar o conflito;

II - à Câmara Municipal do município em que se situar o conflito;

III - ao Conselho municipal de Direitos Humanos;

IV - ao Conselho estadual de Defesa dos Direitos Humanos;

V - à   Comissão  de  Direitos  Humanos  da  Assembléia Legislativa.

VI- ao Conselho Tutelar responsável pela região na qual se dá o conflito;

VII – ao Conselho Municipal do Idoso do município em que se der o conflito, quando houver;

VIII- ao Conselho Municipal da Habitação do município em que se situar o conflito, q

uando houver.

 

           Art. 7º -  Na  comunicação de que trata o  art. 6º, serão indicados:

 

I  -  a  comarca,  o  juízo e o número da  ação  em  que  foi determinada o deslocamento

das    famílias, bem como o nome das partes;

II  - o número exato ou aproximado de famílias instaladas na área a ser desocupada;

III  -  a  data  e  a  hora  em que deverá  ser  realizada  a desocupação;

IV  -  a identificação das unidades policiais que atuarão no auxílio ao cumprimento

         da ordem judicial.

 

Art. 8º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 9º - As despesas decorrentes dessa lei correrão por dotações orçamentárias próprias.

 

Esta proposta esta ainda em fase de elaboração.

 

 

 * Nelson Saule Junior, coordenador da equipe do Direito a Cidade do Instituto Polis e membro da coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana

** Letícia Osório, representante do Cohre Américas e membro do Grupo de Especialistas da ONU em Despejos Forçados

*** Patrícia de Menezes Cardoso, advogada da equipe do Direito a Cidade do Instituto Polis e assessora da Relatoria Nacional pelo Direito Humano a Moradia Adequada