Se
em 2004 o Cirurgião Dentista Flavio Sant’Anna foi morto a
tiros, sem chance nenhuma de defesa, numa cruel demonstração
de como atua a polícia em São Paulo, e como se revelou em
todo o processo, ele foi morto unicamente por ser negro, em
2005 o assassinato
foi por atacado, como mencionou uma comentarista de jornal diário,
em Queimados, Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Dezenas de
pessoas foram mortas de forma banal por homens ligados à Polícia
Militar do Rio de Janeiro, por razões que estão sendo
investigadas. As imagens destacadas nos jornais diários
apresentam a situação como uma questão circunscrita ao âmbito
regional. A morte dos moradores dos tais bairros em circunstâncias
cruéis e os dados informados sobre elas nos permite constatar
que é justamente aquela população que vive os piores índices
de IDH.
A
persistência da discriminação racial no Brasil
Raquel
Souzas
Ao
final do século passado passamos a ter, na década de 90,
vigorosa produção de dados tanto quantitativos quanto
qualitativos, de excelente qualidade,
que, de certa forma, descrevem a situação de
desigualdade e vulnerabilidade racial existente no Brasil.
O
país conhecido internacionalmente como o país mais desigual
do mundo revela em dados o que Helio Santos, intelectual e
membro do movimento negro, chamou circulo vicioso e ausência
de ruptura com os elementos estruturais que separam
racialmente brancos e negros, e, ao mesmo tempo,
retro-alimentam a existência de “dois Brasis”.
Os
dados analisados por Marcelo Paixão, professor e pesquisador
da UERJ e do Observatório Afro-Brasileiro, desvendam ainda
mais os meandros da desigualdade no plano nacional em relação
aos outros países do mundo.
Como
se não bastassem os dados do IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) por cor/raça, outros trabalhos de cunho quantitativo
e qualitativo revelaram situações cotidianas nas quais estão
presentes a desigualdade racial. Em diferentes perspectivas
revelam elementos substanciais que esquadrinham o espectro da
persistente discriminação no Brasil.
Todos
os dados obtidos até o momento respondem a uma
questão recalcitrante: “A discriminação no Brasil
é racial ou de classe social?”. Alguns a atualizam
dizendo: “A discriminação é por ser pobre ou
negro?”
Tais
dados, de diferentes fontes e recortes, deveriam superar este
primeiro estágio de constatação do problema, que nos coloca
em meio a tais questões recalcitrantes. Poderíamos nos
colocar num outro plano, o
de enfrentamento do racismo nos diferentes campos da
vida social. Mas a visão de um país que se vê como uma
“ilha de tranqüilidade” permanece
no imaginário não só popular, mas também
de muitos intelectuais que se ocupam de pensar o
Brasil.
No
início do primeiro século no novo milênio, em 2001, no
processo da Conferência Mundial Contra o Racismo, obtivemos
visibilidade para a problemática racial no Brasil e
conseguimos discutir minimamente a discriminação.
O
Brasil comprometeu-se com o “Plano de Ação de Durban” e
desde aquele momento vemos ser construídas estratégias de
superação da discriminação racial e do racismo
institucional no plano governamental.
A
visão de que temos que superar o racismo institucional
possibilitou a criação de medidas como a Lei 10.639, que
institui o ensino da História da África no Brasil, entre
outras. Mas
ainda esperamos as mudanças desejadas e traçadas no Plano de
Ação. Desejamos vê-las
em nosso cotidiano.
Se
em 2004 o Cirurgião Dentista Flavio Sant’Anna foi morto a
tiros, sem chance nenhuma de defesa, numa cruel demonstração
de como atua a polícia em São Paulo, e como se revelou em
todo o processo, ele foi morto unicamente por ser negro, em
2005 o assassinato
foi por atacado, como mencionou uma comentarista de jornal diário,
em Queimados, Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Dezenas de
pessoas foram mortas de forma banal por homens ligados à Polícia
Militar do Rio de Janeiro, por razões que estão sendo
investigadas.
As
imagens destacadas nos jornais diários apresentam a situação
como uma questão circunscrita ao âmbito regional. A morte
dos moradores dos tais bairros em circunstâncias cruéis e os
dados informados sobre elas nos permite constatar que é
justamente aquela população que vive os piores índices de
IDH. Por motivos óbvios, temos unicamente a chance de
estabelecer uma hetero-classificação racial, observando as
imagens divulgadas das pessoas vitimadas na maior chacina ocorrida no Brasil dos tempos atuais.
Em
2005 continuamos a
constatar no plano nacional situações como a de Queimados e,
no plano internacional, a morte do brasileiro Jean Charles
pela polícia em Londres, vitima do mesmo tipo de discriminação,
a racial.
No
dia 18 de outubro de 2005, os policiais que atiraram
em Flavio, o cirurgião dentista morto em São Paulo,
foram condenados ao cárcere durante o tempo que varia de 4 a
17 anos de prisão. Notas que chegam via internet apresentam
visões otimistas sobre os resultados e condenação dos
culpados.
Continuamos
em 2005 a ver medidas direcionadas apenas para a ponta do
iceberg, e não temos medidas eficazes que repercutam na base
dos problemas que estão rotinizados e naturalizados
secularmente nas relações cotidianas e impedem o pleno exercício
da cidadania. Ao
vislumbrar dados sobre a vulnerabilidade social de uma cidade
como São Paulo, podemos observar que o espaço das cidades
reproduzem desigualdades imensas. Há em alguns casos ou situações
a ausência do exercício da liberdade em suas dimensões mínimas,
aquela que nós dá o direito de ir e vir sem ser
discriminado.
A
necessidade de produzir dados, análises e diálogos a partir
das constatações continua presente como nunca, ainda que o
sentimento seja de impotência frente a fatos como a chacina
de Queimados.
Em
2005 mais uma constatação se faz presente, a de que no
imaginário social continuam cristalizadas imagens distorcidas
sobre homens e mulheres negros, construídas
sedimentadas secularmente e alimentadas cotidianamente,
intocadas e mantidas sob o “mito de democracia racial”.
Raquel Souzas, Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais
( FFLCH-USP), especialista, mestre e doutora em Saúde Pública
(FSP/USP). Membro do Conselho Diretor da FalaPreta!
Organização de Mulheres Negras. Consultora do OBSERVATÓRIO
AFRO-BRASILEIRO.
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