No
Brasil, o modelo tributário é injusto, regressivo e
concentrador de renda, na medida em que tributa de forma
acentuada os trabalhadores e consumidores, sacrificando a
camada de mais baixa renda, ao mesmo tempo em que alivia o
grande capital, os lucros, os latifúndios, as fortunas e
heranças.
A
Dívida Pública e a subtração dos Direitos Humanos
Maria
Lucia Fattorelli Carneiro*
O
último relatório da ONU sobre desigualdade social e respeito
aos direitos humanos é motivo de grande vergonha para todos nós,
brasileiros, e exige profunda reflexão e envolvimento da
sociedade civil, a fim de exigir urgentes medidas para
reverter esta inaceitável situação:
Com
relação à distribuição da renda nacional, o relatório
aponta que o Brasil é o oitavo país do mundo em desigualdade
social, perdendo a posição de campeão mundial em
desigualdade apenas para a Guatemala e mais seis países
africanos Suazilândia, república Centro-Africana, Serra
Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia;
Relativamente
ao respeito aos direitos humanos, o Brasil ocupa a 63a
posição, atrás de países que possuem condição bem mais
complicada em termos de ordem constitucional, estado de
direito e recursos, como a Macedônia e a Malásia.
Infelizmente,
temos que admitir que tais relatórios refletem o quadro de
enormes injustiças sociais que presenciamos em nosso país:
miséria, fome, desnutrição, desemprego urbano e rural,
favelização, analfabetismo, violência, ausência de serviços
de saúde e assistência social para grande parte da população.
Quais
as razões para essa vergonhosa situação, se somos um país
potencialmente tão rico; se possuímos extenso território
privilegiado com recursos naturais, humanos, culturais, econômicos
de todos os setores – industrial, agrícola, comercial,
serviços?
A
grande amarra, que não deixa nosso país deslanchar e seguir
seu rumo de grande nação que garante direitos humanos e vida
digna para todos os seus habitantes, é o modelo econômico
equivocado, subserviente aos interesses do capital financeiro
nacional e internacional, que gira em torno do questionável
processo de endividamento interno e externo.
O
modelo econômico atual deixa de lado as metas humanas (de saúde,
educação, emprego, assistência à infância e ao idoso,
acesso à cultura e ao lazer etc) e as metas voltadas para o
desenvolvimento do país (investimento em energia elétrica,
meios de transporte, reforma agrária, economia solidária
etc), estabelecendo como objetivo o alcance das metas
financeiras: metas de inflação, de superávit primário e de
superávit na balança comercial. A economia passa a ser vista
não como um meio para se atingir a finalidade de alcançar
maior bem estar para o conjunto da sociedade, mas passa a ser
um fim em si mesma. Perseguimos o alcance dessas metas
financeiras sacrificando a sociedade e produzindo
desigualdade. É por isso que o Brasil é quase o campeão
mundial em desigualdade e está perdendo feio no ranking do
respeito aos direitos humanos.
Essa
amarra que impede nosso país de crescer de forma justa tem várias
faces e age a partir de perversos mecanismos e armas. Dentre
os mecanismos mais importantes destacam-se o processo de
endividamento, o modelo tributário e o comércio
internacional injusto. As armas são as políticas de
“ajuste fiscal”, com destaque para a geração de superávit
primário, elevação das taxas de juros e redução do papel
do Estado na economia, por meio das privatizações. O
risco-país é outra arma poderosa; uma verdadeira chantagem
que o mercado financeiro exerce sobre o país. Mas as armas
que ferem de morte o Estado brasileiro são as exigências do
FMI e do Banco Mundial para que o país prossiga com a política
de implementação de reformas neoliberais: previdenciária,
tributária, sindical, trabalhista, universitária, independência
do Banco Central e liberdade para os fluxos de capitais.
Modelo
Tributário
A
missão do sistema tributário é promover a arrecadação de
tributos para garantir o financiamento do Estado. Um sistema
justo é aquele que respeita os princípios da capacidade
contributiva e da progressividade, exigindo maior participação
dos ricos e garantindo um alívio para os pobres, promovendo,
assim, equilíbrio na distribuição da renda nacional.
No
Brasil, o modelo tributário é injusto, regressivo e
concentrador de renda, na medida em que tributa de forma
acentuada os trabalhadores e consumidores, sacrificando a
camada de mais baixa renda, ao mesmo tempo em que alivia o
grande capital, os lucros, os latifúndios, as fortunas e
heranças.
A
carga tributária brasileira está entre as mais elevadas do
mundo, em torno de 38% do PIB, e é duplamente injusta, pois
recai sobre a parcela mais pobre da população, que não
recebe a contrapartida em serviços públicos de qualidade e
nem os investimentos necessários ao crescimento econômico
saudável, uma vez que todo o aumento da carga tributária nos
últimos anos tem servido para garantir o aumento da meta de
superávit primário.
Enquanto
a elite é desonerada com isenção dos lucros distribuídos
aos sócios de empresas, isenção de CPMF nas aplicações em
Bolsas de Valores, remessas ao exterior e inúmeras
possibilidades de decuções e brechas contidas na legislação
tributária, um trabalhador que percebe a partir de R$1.164,01
mensais, quantia inferior ao mínimo de subsistência
calculado pelo Dieese, fica sujeito ao pagamento do imposto de
renda à alíquota de 15%. Se percebe salário acima de
R$2.2326,00, passa a pagar 27,5%. O resultado disso é que o
grande carro chefe do governo brasileiro em termos de políticas
compensatórias para promover distribuição de renda –
programas Bolsa-Família e Fome-Zero, por exemplo – acabam
sendo financiados pelo segmento que efetivamente paga imposto
no Brasil, ou seja, os trabalhadores e consumidores de baixa
renda.
Estas
distorções estão reveladas no último relatório da ONU, o
qual divulga que no Brasil 46,9% da renda nacional
concentram-se nas mãos dos 10% mais ricos. Já os 10% mais
pobres ficam com apenas 0,7% da renda.
O
estudo revela ainda que a transferência de 5% da renda dos
20% mais ricos do país para os mais pobres seria capaz de
retirar 26 milhões de pessoas da linha da pobreza e reduzir a
taxa de pobreza de 22% para 7%. A via mais óbvia de se
efetuar essa transferência de renda seria via tributação
dos ricos, entretanto, alega o governo que se tributar o
grande capital ele “foge” do país. Ora, é evidente que
isso só ocorre devido à irresponsabilidade das autoridades
brasileiras que não implantam uma política de controle de
capitais. Além de impossibilitar a implantação de um modelo
tributário mais justo, a falta de controle de capitais deixa
o país vulnerável e tem permitido operações de lavagem de
dinheiro, fruto dos mais diversos crimes. Por tudo isso a
sociedade precisa exigir uma mudança nas perversas regras
atuais do modelo tributário, conjuntamente com a implantação
de medidas de controle de capitais.
Superávit
Primário
Uma
das maiores armadilhas do modelo econômico atual é a política
de superávit primário, exigida pelo FMI e pelos credores
internacionais, que querem garantia de que o país estará
economizando recursos para garantir o pagamento dos juros da dívida
pública. Esta “economia” representa enorme sacrifício
para a sociedade, pois é efetuada tanto pelo lado das
receitas – via constante aumento da carga tributária –
quanto pelo lado das despesas, cortando-se gastos e
investimentos públicos.
A
meta de superávit primário vem aumentando ano a ano e todo
esse sacrifício não tem reduzido a relação Dívida/PIB,
pois impossibilita o crescimento econômico, além de impedir
a realização dos gastos sociais necessários à melhoria da
condição de vida dos brasileiros e a garantia dos direitos
humanos mínimos.
No
ano de 2004, o governo federal destinou ao pagamento do serviço
da dívida interna e externa
(que inclui juros e principal da dívida) R$ 139 bilhões,
enquanto apenas R$ 84 bilhões foram destinados ao conjunto de
gastos sociais correspondentes à saúde, educação, assistência
social, segurança pública, cultura, urbanismo, habitação,
saneamento, gestão ambiental, ciência e tecnologia, organização
agrária, energia e transporte. O superávit primário das
esferas federal, estadual e municipal atingiu o recorde histórico
de 4,61% do PIB, superior à meta de superávit requerida pelo
FMI, de 3,75% do PIB. Porém, nem mesmo este superávit
recorde foi suficiente para pagar as despesas com juros, que
atingiram 7,29% do PIB. Apesar dos volumosos pagamentos, as
altas taxas de juros fizeram a Dívida Mobiliária Federal
Interna aumentar de R$ 787 bilhões em dezembro de 2003 para
R$ 857 bilhões em dezembro de 2004.
De
janeiro a setembro de 2005, os governos federal, estadual e
municipal geraram um superávit primário de 6,1% do PIB, bem
maior que a meta de 4,25%, estabelecida para este ano. Somente
a esfera federal gerou um superávit de R$ 53,5 bilhões nos
primeiros nove meses deste ano, valor este superior à soma
dos gastos do mesmo período com segurança pública, saúde,
educação, cultura, urbanismo, habitação,saneamento, gestão
ambiental, ciência e tecnologia, agricultura, reforma agrária,
energia e transporte.
Para
alcançar esse recorde de 6,1% do PIB, o governo tem promovido
sérios cortes nos gastos, como, por exemplo, o forte
contingenciamento de 15,9 bilhões de reais ocorrido em
fevereiro de 2005, logo após a aprovação do orçamento pelo
Congresso Nacional. Nem os programas sociais foram poupados e
algumas áreas sociais perderam quase todos os seus recursos,
o que levou a uma total descaracterização do orçamento
anteriormente votado pelo Poder Legislativo. Cabe à sociedade
refletir o que é ser um governo responsável. Deixar subir a
taxa de juros a ponto de engessar a economia e gerar tanto
desemprego é ser responsável? Contingenciar recursos
destinados a todas as áreas sociais – saúde, educação,
assistência etc – e investimentos essenciais, é ser
responsável?
Para
o próximo ano, a proposta de LOA – Lei Orçamentária Anual
– enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional em
agosto deste ano reserva R$179,2 bilhões para o pagamento de
juros, estimado em cerca de 8,4% do PIB. Aonde vamos parar com
essa política restritiva, que tem priorizado a satisfação
do mercado financeiro em detrimento do atendimento às
necessidades do povo?
Endividamento
Público
A origem destas medidas econômicas nocivas ao país e
o pano de fundo dos mais graves problemas nacionais é o
processo de endividamento, que nos deixa cada vez mais vulneráveis
e dependentes, diante da voracidade do capital financeiro
nacional e internacional. A dívida externa brasileira está
em torno de US$ 201 bilhões (Fonte: Banco Central) e a dívida
interna federal em R$ 975 bilhões (Fonte: Secretaria do
Tesouro Nacional)
Em
primeiro lugar, é importante ressaltar que o endividamento não
tem sido um mecanismo de se injetar dinheiro no Brasil ou em
qualquer outro país do Terceiro Mundo, mas de sugá-lo. Só
para dar um exemplo da sangria, no período de 1979 a 2003, o
Brasil enviou ao exterior US$ 725 bilhões de juros e
principal da dívida, enquanto recebemos de empréstimos US$
555 bilhões. Ou seja: promovemos uma transferência líquida
ao exterior da ordem de US$ 170 bilhões e, mesmo assim, a dívida
externa saltou de US$52,8 para US$ 229,2 bilhões no período.
Esse
comportamento deveu-se à alta unilateral das taxas de juros
pelos EUA na virada da década de 70/80, principal causa da
crise de endividamento que enfrentamos nos anos 80 e que ainda
determina grande parte da dívida externa que temos hoje. Essa
medida unilateral foi possibilitada por uma cláusula
contratual leonina que previa taxas de juros “flutuantes”.
Outro fator de explosão da dívida externa foi a
indiscriminada “abertura dos portos”, a partir do governo
Collor, provocando aumento significativo das importações.
Cabe lembrar que tais medidas provocaram grande quebra de indústrias
nacionais e de postos de emprego qualificado no país. Esse
problema agravou-se no governo FHC, que manteve o câmbio
artificialmente valorizado durante período muito longo,
incentivando ainda mais as importações, o que nos levou a
tomar vultosos empréstimos para financiarmos a enxurrada de
importações, durante a segunda metade da década de 90. As
elevadas taxas de juros internas também levaram os grandes
bancos e empresas a buscarem recursos no exterior, onde as
taxas de juros praticadas eram menores. Esse processo ocorreu
de forma desordenada, determinando grande aumento na dívida
interna, pois o Banco Central emitia títulos da dívida
interna para efetuar o câmbio da moeda estrangeira para a
nacional.
Enquanto
a dívida interna provoca sangria no orçamento público,
consubstanciada na política de superávit primário, a dívida
externa consome todos os recursos advindos das exportações.
Embora o governo comemore os saldos positivos obtidos na balança
comercial, as nossas contas externas continuam apresentando
resultados preocupantes. . De janeiro a setembro de 2005, o país
enviou para o exterior US$ 10,2 bilhões de juros da dívida
externa, US$ 8,5 bilhões de lucros das multinacionais, US$
5,7 bilhão de serviços contratados no exterior, enquanto as
amortizações da dívida externa atingiram US$ 25,4 bilhões.
Todas essas remessas somaram US$ 49,7 bilhões, mais que o tão
comemorado saldo da balança comercial, de US$ 32,6 bilhões.
Ou seja, todo o nosso esforço exportador – baseado no
agribussiness, destruidor de empregos e do meio-ambiente – não
tem sido suficiente para pagarmos nossas despesas com o
exterior. Portanto, a persistir essa política, continuamos
dependentes da entrada de capitais estrangeiros, o que torna o
país vulnerável ao humor do mercado financeiro internacional
e seus mecanismos, como o “risco-país” por exemplo.
Auditoria
da Dívida
Inúmeros
questionamentos são levantados em relação ao processo de
endividamento brasileiro. Ainda na década de 80, logo após a
breve interrupção de pagamentos de parte da dívida externa
com bancos, uma comissão especial do Senado Federal analisou
o processo de endividamento e o relator desta comissão, o então
senador Fernando Henrique Cardoso, concluiu em seu relatório
que cerca de ¼ do montante da dívida externa brasileira
referia-se a juros sobre juros, sem qualquer contrapartida
para o país. O senador levantava ainda a co-responsabilidade
dos países credores, do FMI e dos bancos comerciais nesse
processo.
Estes
e outros questionamentos criaram as condições para a inclusão
de dispositivo na Constituição Federal de 1988 (artigo 26 do
ADCT) que determinava a realização de uma auditoria da dívida
externa brasileira.
Em
1989, outra comissão mista foi formada no Congresso Nacional,
mas a auditoria não chegou a ser realizada. O saudoso senador
Severo Gomes elaborou profundo e importante relatório sobre
aspectos jurídicos do endividamento, levantando inúmeras
nulidades, inconstitucionalidades e desrespeito à nossa
soberania. Simulações do Banco Central, à época, indicavam
a possibilidade de redução brutal da dívida.
Tais
irregularidades e outras tantas mais foram ignoradas pelos
negociadores da dívida no período de 1989 a 1994, que
converteram esses questionáveis contratos em títulos ou bônus
negociáveis no mercado financeiro.
Enquanto
o Congresso Nacional não realiza a auditoria prevista na
Constituição Federal, a Campanha Jubileu Sul–Brasil está
realizando uma Auditoria Cidadã, que consiste em levantar
informações, buscar documentos, realizar estudos e divulgar
periodicamente tais informações, a fim de manter o tema do
endividamento em debate e denunciar as verdadeiras causas do
atual estado de desrespeito aos direitos humanos em nosso rico
país.
Um
dos estudos que elaboramos demonstra que se os credores não
tivessem aumentado unilateralmente as taxas de juros na virada
da década de 70/80, a quantia que enviamos para o exterior
teria sido suficiente para pagarmos toda a dívida em 1989, e
ainda seríamos credores de US$100 bilhões.
Elaboramos
também estudo sobre a ilegalidade desse procedimento, diante
das normas do direito internacional e estamos articulando com
outros países, que também foram vítimas desse processo,
para viabilizarmos ação conjunta denunciando tal fato à
Corte de Haia.
Trabalho
inédito realizado pelo grupo de estudos da Auditoria Cidadã
foi a análise dos contratos de empréstimos externo obtidos
junto ao Senado Federal, relativos ao período 1964 a 2001. Constatamos que os documentos encontrados representam
apenas uma pequena parte de nosso endividamento, ou seja,
muitos empréstimos não foram documentados, ou esta documentação
não se encontra no Senado que, pela nossa Constituição,
deveria autorizar todos os empréstimos externos contraídos
pelo poder público. Não foram encontrados documentos
referentes aos empréstimos do FMI, os que possuem as cláusulas
mais lesivas à nossa soberania. No período até 1987, não
foi localizado nenhum contrato da esfera federal, responsável
pela maior parcela do endividamento brasileiro. A prática dos
sucessivos governos militares era a de não submeter decisões
ao Legislativo.
Planilha
elaborada pela Consultoria do Senado, e repassada para o grupo
de estudos da Auditoria Cidadã, apontava a existência de 815
Resoluções do Senado que autorizaram empréstimos externos
no período, que somaram um valor financiado de US$ 219 bilhões.
Destes
US$ 219 bilhões, US$ 124 bilhões se referem a sete autorizações
do Senado para a emissão de títulos pelo Brasil, ou seja, não
haviam contratos de endividamento nessas operações e sim bônus
que seriam pulverizados pelos credores. Boa parte disto não
representou dívida nova contraída pelo país, mas apenas o
refinanciamento de dívidas antigas.
Dos
cerca de US$ 95 bilhões restantes, foram encontrados 238
contratos que somam US$ 42,7 bilhões, os quais foram alvo de
análise pelo grupo da Auditoria Cidadã.
Pesquisa
no Senado Federal – 1964 a 2001
|
N.
de Resoluções do Senado / Contratos de Endividamento
|
%
|
Valor
financiado (US$)
|
%
|
Emissão
de Títulos
|
7
|
0,86
|
124.000.000.000,00
|
56,55
|
Contratos
encontrados
|
238
|
29,20
|
42.660.239.511,14
|
19,46
|
Contratos
não encontrados
|
570
|
69,94
|
52.605.082.962,20
|
23,99
|
TOTAL
|
815
|
100,00
|
219.265.322.473,34
|
100,00
|
Dentro
desse conjunto de contratos encontrados - que somam um valor
equivalente a apenas 20% do crescimento de nossa dívida
externa no período - várias cláusulas ofensivas à nossa
soberania foram encontradas. Os juros flutuantes, principais
responsáveis pelo crescimento de nossa dívida externa,
apareceram em nada menos que 91,78% do valor financiado,
enquanto o pagamento de juros sobre a parte ainda não tomada
dos empréstimos foi identificada em 58,61% dos valores
emprestados.
A
adoção de foro estrangeiro para a resolução de controvérsias
entre credores e devedores – o que significa renúncia à
soberania nacional – foi feita em quase metade do valor
financiado. Outras cláusulas também se destacam, como a que
impõe a adoção, pelo Brasil, de programas do FMI, a que
impede o país de criar quaisquer controles sobre a movimentação
de capitais, as que vinculam a arrecadação tributária ao
pagamento dos empréstimos, e a obrigatoriedade de compra de
equipamentos somente dos países credores. Muitos contratos
apenas foram encontrados em língua estrangeira.
Em
suma: mais uma vez, uma pequena amostra dos contratos de
endividamento foi suficiente para demonstrarmos as condições
desfavoráveis a que estamos submetidos, frente aos credores
internacionais.
Diante de tanta espoliação, tantas ilegitimidades e
ilegalidades, cabe à sociedade exigir que seja cumprido o
Art. 26 das Disposições Transitórias de nossa Constituição,
e seja feita a Auditoria Oficial de nossa Dívida Externa, de
forma a tornar transparente esse processo e responder de onde
veio toda essa dívida e quem se beneficiou desse processo. O
povo, que está pagando essa cara conta, tem direito de saber
toda a verdade.
*
Maria Lucia Fattorelli Carneiro é auditora-fiscal da Receita
Federal, 2ª vice-presidente do Unafisco Sindical e
coordenadora da Auditoria Cidadã pela Campanha Jubileu
Sul-Brasil
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