A indústria da cana foi o setor do agronegócio que mais cresceu no
Brasil em 2005. Essa expansão tem trazido sérias conseqüências
para o País, como destruição ambiental, expulsão dos
trabalhadores do campo e constantes violações de direitos
trabalhistas. As usinas exigem que cada trabalhador corte, em
média, de 12 a 15 toneladas de cana por dia. Entre janeiro de 2004 e setembro de 2005, a Pastoral
dos Migrantes registrou oito mortes de trabalhadores por
excesso de trabalho nos canaviais
da
região de Ribeirão Preto.
A OMC e os Efeitos
Destrutivos da Indústria da Cana no Brasil
Maria Luisa Mendonça
O
Brasil é o maior exportador mundial de açúcar. Em 2004, o
País exportou 15,7 milhões de toneladas do produto. A indústria
da cana foi o setor do agronegócio que mais cresceu no Brasil
em 2005. Enquanto a produção da soja (um dos principais
produtos agrícolas exportados pelo Brasil) cresceu 1,3%, a
produção de derivados da cana-de-açúcar cresceu 26,7% este
ano. Esta tendência de crescimento deve continuar, a partir
de negociações do governo brasileiro no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC).
A
produção de álcool também deve aumentar. O Brasil é
atualmente o maior produtor mundial, responsável por 45% do
mercado. Em 2004, o Brasil exportou 2,6 bilhões de litros do
produto. Existe uma expectativa de que o Japão, a partir da
ratificação do Protocolo de Kyoto, que prevê a redução na
emissão de gases poluentes, passe a utilizar uma mistura de
3% de álcool anidro na gasolina, e que isso represente um
aumento de cerca de 1,8 bilhões de litros por ano nas exportações
brasileiras.
As
regiões do País que, historicamente, têm cultivado a cana
em larga escala são o Nordeste e o estado de São Paulo. Mais
recentemente, a indústria se expandiu no norte do estado do
Rio de Janeiro, em Minas Gerais, Espírito Santo, norte do
Paraná e estados do Centro Oeste.
A
indústria da cana sempre teve grande importância na economia
e no processo histórico brasileiros. A atividade adquiriu
dimensão ainda maior no Brasil com crise internacional nos
anos 70, que causou forte alta no mercado petroleiro e
impulsionou o setor canavieiro, a partir da criação do Proálcool.
De 1972 a 1995, o governo brasileiro incentivou o
aumento da área de plantação de cana e a estruturação do
complexo sucro-alcooleiro, com grandes subsídios e diferentes
formas de incentivo. O Instituto do Açúcar e do Álcool, por
exemplo, foi responsável durante quase 60 anos por toda a
comercialização e a exportação do produto, subsidiando
empreendimentos, incentivando a centralização industrial e
fundiária sob o argumento da “modernização” do setor,
proporcionando terras férteis, meios de transporte, energia,
infra-estrutura, insumos, etc.
“O
complexo canavieiro se apresenta como uma produção
totalmente integrada devido a sua histórica expansão e
constituição, sob a égide do Estado. A propriedade fundiária
teve um papel central neste processo e a ela estiveram
vinculadas as políticas oficiais de acesso ao crédito a aos
benefícios da subvenção estatal”, afirma o pesquisador
Bruno Ribeiro.
Porém,
a expansão da indústria da cana tem trazido sérias conseqüências
para o País, como a expulsão dos trabalhadores do campo,
constantes violações de direitos trabalhistas e destruição
ambiental. O modelo agrícola baseado na monocultura para
exportação se contrapõe a propostas de políticas que
garantam a soberania alimentar e a reforma agrária. A atual
expansão desse cultivo em áreas de fronteira agrícola causa
conflitos com povos indígenas e com pequenos agricultores.
A OMC e a Expansão da
Monocultura da Cana
A
monocultura da cana deve se expandir no Brasil a partir da
proposta do governo de ampliar o acesso a mercados no âmbito
da Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa política se
baseia em consolidar vantagens comerciais para o setor agrícola
baseado na monocultura para exportação, com foco inicial no
questionamento do regime do açúcar praticado pela União
Européia. Um dos principais setores interessados nesse
processo é a indústria da cana, conhecida historicamente por
promover a concentração da terra, a violação de direitos
trabalhistas e a destruição do meio ambiente. O crescimento
desse setor pode inviabilizar a reforma agrária em muitas
regiões do País. Esse efeito negativo já é visível e
crescente.
Desde
sua criação em 1995, o principal papel da Organização
Mundial do Comércio (OMC) tem sido expandir seu poder de
regulamentação em 147 países, o que significa exercer
grande influência no cotidiano de milhões de pessoas. Apesar
de difundir a ideologia do “livre comércio”, a OMC possui
uma complexa estrutura de regras utilizadas na defesa dos
interesses de grandes multinacionais e de seus países sedes.
A abrangência dos acordos contidos na OMC vai muito além de
temas relacionados ao comércio internacional.
Por
isso, é fundamental que movimentos sociais acompanhem o atual
estágio de negociações em preparação para a 6ª Reunião
Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong, em dezembro de
2005. Uma das principais propostas dos países
agro-exportadores do Sul (como o Brasil) é negociar benefícios
comerciais para o agronegócio em troca da abertura de nossos
mercados para setores estratégicos como serviços e produtos
industriais.
O
Brasil é o maior produtor mundial de açúcar, devido ao
baixo custo de produção e de grandes incentivos do governo.
A União Européia é o segundo maior exportador do produto e
utiliza como matéria-prima a beterraba. O Brasil questiona na
OMC os subsídios da União Européia para seus produtores,
mas também oferece grandes subsídios para a indústria da
cana.
A
prioridade do governo brasileiro na OMC tem sido negociar
acesso a mercados para grandes produtores rurais. Esta política
se contrapõe às propostas defendidas pelos movimentos
sociais para o fortalecimento do mercado interno, do
desenvolvimento rural e da soberania alimentar. Nesse contexto
o grande vilão é o subsídio, mas não se questiona
problemas causados por monopólios agrícolas e pelo modelo de
produção voltado para o mercado externo.
“Defendemos
o direito e o dever dos Estados em apoiar e promover seu próprio
setor agropecuário, principalmente a agricultura camponesa,
porque dela dependem a qualidade de vida de amplos setores da
população, o equilíbrio territorial e ambiental, e a
capacidade de definirem suas prioridades e estratégias
comerciais”, explica Paul Nicholson, membro da Via Campesina
Internacional.
O
aumento das exportações não significa melhores condições
de vida no campo. Com a implementação do NAFTA (Tratado de
Livre Comércio da América do Norte), o México triplicou
suas exportações agrícolas e, ao mesmo tempo, três milhões
de camponeses foram arruinados. Atualmente, a produção
mexicana de milho é controlada por grandes multinacionais. Na
Ásia, a exportação de arroz é dominada pela Cargill que,
junto com a General Foods e a Nestlé, controla cerca de 70%
do mercado internacional de alimentos.
A destruição da economia
rural promovida por políticas de “livre comércio” tem
sido tão intensa e profunda que vem gerando novas formas de
protesto, algumas incorporando atitudes mais drásticas como
no caso do agricultor coreano Lee Kyung Hae, que tirou a própria
vida durante uma manifestação contra a OMC em Cancún (México),
em setembro de 2003. Ao contrário da imagem de desespero ou
desequilíbrio difundida pela mídia conservadora, o gesto de
Lee representa um sacrifício consciente contra a opressão de
milhares de camponeses. Desde a criação da OMC, cerca de 600
mortes deste tipo têm sido registradas por ano na Índia. Os
camponeses preferem morrer a ver suas terras confiscadas por não
conseguirem cobrir os custos da produção, principalmente em
períodos de seca. Por essa razão, o principal lema das
manifestações em Cancún passou a ser “A OMC Mata
Camponeses”.
Modelo Agrícola Baseado
na Monocultura e no Latifúndio
Atualmente,
um dos principais pilares da política econômica do governo
continua sendo o modelo agrícola baseado na monocultura para
exportação. Apesar da propaganda
do agronegócio como símbolo de “desenvolvimento”, esse
modelo gera sérios problemas sociais e econômicos. Algumas
das principais conseqüências desta política são a degradação
do meio ambiente, a concentração de renda e o desemprego no
campo.
Segundo
o professor da USP, Ariovaldo Umbelino, do total de empregos
gerados no campo brasileiro, 87,3% estão nas pequenas
unidades de produção, 10,2% estão nas médias e somente
2,5% estão nas grandes. Este estudo demonstrou ainda que as
pequenas e médias propriedades rurais são responsáveis pela
maior parte da produção de alimentos. “Com relação à
utilização da terra, as lavouras (temporárias e
permanentes) ocupavam 50,1 milhões de hectares ou 14,1% da área
total dos estabelecimentos e, nelas, as pequenas unidades
ficavam com 53%, as médias com 34,5% e as grandes com
12,5%”.
Apesar
desses dados, o governo tem priorizado uma política agrícola
que favorece principalmente grandes empresas. Em 2004, dez
empresas transnacionais receberam cerca de $4,5 bilhões de
reais do Banco do Brasil. Este valor é maior do que o todo o
crédito concedido aos pequenos agricultores através do
PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar). No total, o governo disponibilizou $37 bilhões de
reais em crédito para grandes fazendeiros.
Mesmo
com tanto apoio governamental, as usinas do Nordeste
permanecem com grandes dívidas. Segundo dados da Comissão
Pastoral da Terra em Pernambuco, os grandes usineiros têm uma
dívida com o Estado de mais de 3,5 bilhões de dólares. Ao
mesmo tempo, a região da Zona da Mata pernambucana,
onde predomina a monocultura da cana, tem alguns dos piores
indicadores sociais e econômicos do mundo, com
denúncias de trabalho infantil, assassinatos de trabalhadores
rurais, e má gestão de recursos públicos. Esta situação
permanece desde o período da colonização, sempre com predomínio
do poder dos “senhores de engenho”.
Muitas
usinas faliram em Pernambuco. Nos últimos 20 anos, o número
de usinas diminuiu de 43 para 22. Porém, a área dessas
usinas permanece a mesma e, portanto, há maior concentração
fundiária. Neste período, estima-se uma perda definitiva de
cerca de 150 mil postos de trabalho na Zona da Mata e a expulsão
de 40 mil famílias de camponeses da região. A alternativa
então é a busca de emprego nas cidades próximas, a migração,
a resignação à condição de mão de obra temporária e
clandestina ou a luta pela reforma agrária.
O
Brasil possui o menor custo de produção de açúcar do mundo
porque explora trabalhadores e não tem compromissos com
gastos e práticas voltadas para a sustentabilidade ambiental.
No estado de São Paulo, o custo de produção é de $165 dólares
por tonelada. Nos países da União Européia esse custo é de
$700 dólares por tonelada. “O complexo canavieiro é um dos complexos
agroindustriais mais importantes do Brasil; apresenta produtos
bastante competitivos no mercado internacional graças a seus
baixos custos de produção, que estão associados aos baixos
salários pagos aos trabalhadores”, explica o professor
Francisco Alves, da Universidade Federal de São Carlos.
Apesar
do desenvolvimento tecnológico, o setor apresenta grande
concentração fundiária. De um total de 5 milhões de
hectares plantados, apenas 20% da cana produzida no Brasil vêm
de pequenas e médias propriedades. Na região de Ribeirão
Preto (SP), toda a terra está concentrada nas mãos de oito
famílias.
Há
uma tendência de fechamento de pequenas usinas, pois o ritmo
de fusões e aquisições se acelerou de 2000 a 2004, quando
20 usinas foram negociadas no Brasil, a maioria em São Paulo.
Recentemente, houve um crescimento na participação de
empresas estrangeiras no setor e um aumento na concentração
do poder econômico de alguns grupos.
Alguns
dos principais grupos estrangeiros que atuam no setor são as
empresas francesas Louis Dreyfus, que adquiriu as usinas
Cresciumal (em São Paulo) e Luciância (em Minas Gerais); e a
Béghin-Say, que adquiriu as usinas Guarani e Cruz Alta em São
Paulo. A empresa Cosan também se associou recentemente ao
grupo Béghin-Say e ao Trading Sucden (Franco-Brasileira Açúcar
e Álcool S/A) e adquiriu cinco usinas.
O
Novo Proálcool
Atualmente,
existe uma proposta de reestruturação do Proálcool, com várias
medidas governamentais de fomento já sendo implementadas,
como abertura de novas linhas de crédito oficial, aumento do
percentual de adição do álcool à gasolina, entre outras. O
setor movimenta $20 bilhões de reais por ano e recebe
diversas formas de incentivo. O BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) é o principal agente
financeiro do novo Proálcool, com a previsão de investir $7
bilhões de reais entre 2004 e 2006, através do Programa
Nacional de Biocombustíveis. No Congresso, o projeto tem
apoio da Frente Parlamentar Sucroalcooleira. As empresas do
setor recebem ajuda também do Ministério da Agricultura e do
Banco Japonês de Cooperação Internacional.
Esse
processo é incentivado ainda pelo aumento da frota de veículos
“flexíveis” que funcionam com álcool (considerado “não
poluente”) ou com gasolina. É estimulado também por um
acordo bilateral Brasil-Alemanha para a produção subsidiada
de 100 mil veículos movidos a álcool, com o objetivo de
colaborar para que a Alemanha cumpra seu compromisso com o
Protocolo de Kyoto. Os governos estaduais investem nesse
setor. Nos últimos anos, o governo do estado de São Paulo
reduziu a alíquota de ICMS de 25% para 12% para o álcool
hidratado. O governo do Mato Grosso do Sul tem apoiado
empresas do Nordeste para se instalar na região.
Migração, Trabalho
Escravo e Violações de Direitos Trabalhistas
A
expansão e a crescente mecanização do setor canavieiro têm
gerado maior exploração (chamada de “flexibilização”)
da força de trabalho. Principalmente em São Paulo, a maior
parte do corte da cana é realizada por trabalhadores
migrantes, principalmente do Nordeste e do Vale do
Jequitinhonha em Minas Gerais. A Pastoral dos Migrantes estima
que cerca de 200 mil trabalhadores migrantes trabalhem em São
Paulo no período da safra de cana, laranja e café. No setor
canavieiro do estado, o número de migrantes por safra é
estimado em 40 mil.
Para
milhares de trabalhadores essa situação “temporária” se
torna permanente por falta de alternativas de emprego em suas
regiões de origem. Eles iniciam um círculo vicioso: “O
trabalho aqui é o mais bruto que existe, mas é o único que
temos”, afirma um
trabalhador pernambucano em Dobrada (SP). Mesmo dizendo
que não voltariam mais a trabalhar no corte da cana, muitos
acabam se submetendo indefinidamente a essa situação de
extrema exploração. Na entressafra, um número mais reduzido
de mão-de-obra é utilizado para o preparo da terra e plantio
em algumas áreas, além da aplicação de agrotóxicos.
O
desemprego causado pelo modelo agrícola baseado na
monocultura e no latifúndio aumenta o contingente de
trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes
de sua origem, em condições precárias. As denúncias de
trabalho escravo aumentaram nos últimos anos.
Esses
trabalhadores muitas vezes iniciam suas atividades já
endividados. Uma das dívidas contraídas antes de iniciar o
trabalho é com o transporte (muitas vezes clandestino,
chamado de “excursão”) que custa em média R$200,00 por
trabalhador que migra do Nordeste para São Paulo. Os
trabalhadores migrantes são aliciados por “gatos” ou
“turmeiros”, que muitas vezes são também os donos dos
caminhões ou ônibus que realizam o transporte.
Na
região dos canaviais aumentam as chamadas “cidades-dormitórios”,
onde os trabalhadores migrantes vivem em cortiços, barracos
ou nas “pensões”. Apesar da situação precária, os
custos com moradia e alimentação são muito acima da média
paga pela população em geral. Tanto os alojamentos das
usinas quanto as “pensões” são barracos ou galpões
improvisados, superlotados, sem ventilação ou condições mínimas
de higiene.
A
incorporação de novas tecnologias no setor canavieiro
aprofundou a dinâmica de exploração do trabalho, através
de formas precárias de arregimentação, contratação,
moradia, alimentação, etc. As colheitadeiras funcionam em áreas
planas e contínuas, mas causam maior compactação do solo e
prejudicam as mudas que deveriam rebrotar.
A mecanização gera superexploração do trabalho
porque cria novas exigências como o corte rente ao solo (para
maior aproveitamento da concentração de sacarose) e a
ponteira da cana bem aparada. Isso aumenta o esforço dos
trabalhadores e a jornada de trabalho. Com a mecanização do
setor, foi transferido para os trabalhadores o corte da cana
em condições mais difíceis, onde o terreno não é plano, o
plantio é mais irregular e a cana é de pior qualidade.
O
corte mecanizado se tornou referência para a quantidade
cortada pelos trabalhadores, que subiu de 5 a 6 toneladas por
dia para cada trabalhador na década de 80, para 9 a 10
toneladas por dia na década de 90. Hoje já se registra uma
exigência das usinas de 12 a 15 toneladas por dia,
principalmente em regiões onde o ritmo das máquinas se
tornou referência de produtividade. O não cumprimento da
meta freqüentemente significa que o trabalhador será
dispensado e colocado em uma lista que circulará por diversas
usinas, o que o impede de voltar a trabalhar na safra
seguinte.
O
aumento da meta do corte da cana causou grande diminuição no
número de mulheres que realizam esse trabalho. Além disso, a
dupla jornada (obrigação com o trabalho na cana, com o serviço
em casa e com o cuidado e educação dos filhos) significa um
esforço muito maior para as mulheres que, mesmo com todas as
dificuldades, enfrentam o trabalho bruto. Mas as usinas
restringem esse trabalho com a exigência adicional de que as
mulheres sejam “operadas”, ou seja, impossibilitadas de
ter filhos.
A
maioria dos trabalhadores não tem controle da pesagem ou da
metragem de sua produção diária, que é exercida pela
usina. Muitas denúncias apontam para a manipulação e fraude
desses dados pelas usinas, que pagam menos do que os
trabalhadores teriam direito. O Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Dobrada (SP), por exemplo, denunciou casos em que
trabalhadores recebiam o equivalente ao corte de 10 toneladas
de cana por dia, quando essa quantidade era de 19 toneladas.
No
estado de São Paulo, os trabalhadores recebem R$2,60 por
tonelada de cana cortada. O piso salarial é de R$410,00.
Quando o trabalhador consegue atingir a média de 10 toneladas
por dia, pode chegar a ganhar R$800,00 por mês. Porém, o
custo com moradia e alimentação é de cerca de R$400,00 por
mês.
O
“fracasso” causado pela perda do emprego por não cumprir
a meta do corte de 10 a 12 toneladas por dia, e a
impossibilidade de voltar para casa com algum recurso para a
família, fazem com que muitos trabalhadores “fujam” ou
“desapareçam”, migrando novamente (muitas vezes para a
região Centro-Oeste) ou buscando trabalhos temporários nas
periferias dos centros urbanos. Esse processo gera uma
categoria de trabalhadores “itinerantes”.
O
sistema de folga nas usinas é de “5 por 1”, ou seja, os
trabalhadores têm um dia de folga a cada cinco dias de
trabalho. Isso significa que a cada dia de folga somente um
grupo relativamente pequeno de trabalhadores pode se reunir, o
que dificulta o convívio social, familiar e a organização
política. A maioria dos dias livres não é nos finais de
semana, quando os trabalhadores teriam maior possibilidade de
exercer essas atividades. Esse sistema exclui a exigência de
que as usinas paguem horas extras nos finais de semana.
Em
Pernambuco, os trabalhadores ganham em média dois salários mínimos
por mês, se conseguem atingir a meta de cortar 6 toneladas de
cana por dia. Eles também denunciam fraudes na pesagem da
cana, além de maus tratos e falta de segurança no trabalho.
“Quando tem serviço, a safra dura de três a quatro meses.
O resto do tempo a gente passa fome. Eu tenho 55 anos e ninguém
quer me contratar porque acham que sou ´sucata´. Também não
posso me aposentar porque ainda não completei 35 anos de
serviço”, relata o trabalhador José Santos, que hoje
espera o processo de desapropriação para ser assentado na
falida Usina Aliança.
Problemas
de Saúde e Mortes de Trabalhadores
Entre
janeiro de 2004 e setembro de 2005, a Pastoral dos Migrantes
de São Paulo registrou oito mortes de trabalhadores nos
canaviais da
região de Ribeirão Preto. Essas mortes ocorreram durante ou
imediatamente após a jornada de trabalho. Antes de morrer, os
trabalhadores apresentaram câimbras, tontura, dores de cabeça
e, em alguns casos, sangramento nasal. A Pastoral dos
Migrantes argumenta que a causa das mortes é excesso de
trabalho. Os atestados de óbito registram parada cardíaca e
respiratória como principal causa das mortes.
“Além
das mortes ocorridas nos canaviais, há aquelas não
registradas, e que ocorrem ao longo de um tempo determinado.
Doenças como câncer, provocado pelo uso de veneno, fuligem
da cana, além de doenças respiratórias, alérgicas, da
coluna, aliadas a quase total impossibilidade de serem
tratadas em razão da inexistência de recursos financeiros
para a compra de remédios conduzem à morte física ou social
de muitos trabalhadores, cuja depredação de suas forças
impede-os de continuar no mercado de trabalho”, explica a professora da UNESP, Maria Aparecida de
Moraes.
Os
movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e
problemas de coluna, descolamento de articulações e câimbras,
provocadas por perda excessiva de potássio. As freqüentes câimbras
seguidas de tontura, dor de cabeça e vômito são chamadas de
“birola”. Muitos trabalhadores usam medicamentos (como
injeções chamadas de “amarelinhas”) e drogas (como crack
e maconha) para aliviar a dor e estimular o rendimento. Para
cortar 10 toneladas de cana por dia, estima-se que cada
trabalhador precise repetir cerca de 10 mil golpes de facão.
Os
ferimentos e mutilações causados por cortes de facão,
principalmente nas pernas e nas mãos, também são freqüentes.
Porém, raramente a empresa notifica aos órgãos competentes
esses acidentes de trabalho e praticamente não há controle
por parte desses órgãos governamentais. Muitos trabalhadores
doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não
conseguem aposentadoria por invalidez.
Destruição
Ambiental
Diversos
estudos demonstram que a prática da monocultura extensiva
promove a destruição ambiental. A produção da cana é
destrutiva, pois promove a queima dos solos, o alto nível de
utilização de produtos químicos, além da poluição e do
lixo químico das usinas processadoras do álcool e do açúcar.
Um
relatório internacional da World Wildlife Fund (WWF), de
Novembro de 2004, alerta para a indústria da cana como o
principal ramo da monocultura poluidor do meio ambiente e
destruidor da fauna e da flora. A cultura da cana cobre mais
da metade do território de sete países e entre 10% e 50% do
território de 15 países. Grandes extensões de terras férteis
já foram degradadas pela monocultura da cana. As queimadas e
o processamento da cana poluem o solo, o ar e as fontes de água
potável. Além disso, a produção utiliza grande quantidade
de herbicidas e pesticidas. Dados da Organização Mundial da
Saúde apontam que cerca de 25 milhões de pessoas apresentam
casos de envenenamento agudo por ano, em conseqüência do
contato com esses produtos químicos.
No
Brasil, a aplicação de herbicidas e agrotóxicos nos
canaviais inclui o “Roundup” da empresa Monsanto. Essa prática
afeta os trabalhadores, que muitas vezes não utilizam proteção
adequada para aplicar esses produtos. Em Pernambuco, muitas áreas
de plantio de cana têm declive acima de 45%, o que causa o
escoamento dos venenos para uma extensão ainda maior. Os
dejetos da cana são constantemente depositados nos rios,
causando a morte de peixes, crustáceos e da vegetação
fluvial, além da poluição de lençóis freáticos e de águas
subterrâneas. O processamento da cana nas usinas polui o ar
através da queima do bagaço, que produz fuligem e fumaça.
Entre
junho e agosto de 2005, foi decretado estado de alerta na região
dos canaviais no estado de São Paulo porque as queimadas
levaram a umidade relativa do ar a atingir níveis
extremamente baixos (entre 13% e 15%). Segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram registrados 287
focos de queimadas durante esse período, o que representa um
aumento de 47,94% em relação ao mesmo período em 2004. Técnicos
do INPE defendem uma “moratória da queima”, a partir de
2006.
Mesmo
com todos os problemas ambientais, a monocultura da cana está
sendo negociada como forma de gerar energia “limpa”. Um
novo subproduto da cadeia produtiva é o crédito de carbono.
Após assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997, reforçado na
Conferência Rio + 10 em 2002, na África do Sul, foi criado o
“mercado de carbono”, utilizado por países centrais que
precisam reduzir em 5,2% a emissão de gases poluentes até
2010. Para isso, foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), estabelecendo que cada tonelada de gás carbônico
que deixa de ser emitida ou é retirada da atmosfera pode ser
negociada no mercado mundial. O governo alemão, por exemplo,
propõe negociar $100 milhões de reais como crédito de
carbono, resultante da substituição da gasolina pelo álcool.
Isso significaria um aumento das exportações brasileiras de
430 milhões de litros de álcool por ano.
Apesar
de ser considerado um combustível “limpo”, a produção
ce cana destrói o meio ambiente e afeta a saúde da população.
A queimada serve para facilitar a colheita, porém essa prática
destrói grade parte dos microorganismos do solo, polui o ar e
causa doenças respiratórias. Grande parte do corte da cana
no Brasil é feita sem nenhum controle ambiental. Em
Pernambuco, por exemplo, restam apenas 5% de Mata Atlântica
na região canavieira.
Maria Luisa Mendonça é
jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos.
Colaboraram:
Comissão Pastoral da Terra (PE) e Serviço Pastoral dos
Migrantes (SP)
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