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Maria Luisa Mendonça, enviada especial a Três Marias (MG)

 

“Cheguei em Três Marias em 1951, com 11 anos de idade. Eu vendia pão na rua. Um dia, vi um cardume de peixes no rio e decidi tentar pescar alguma coisa. No primeiro dia peguei uma corvina de dois quilos. O preço que consegui por ela era igual a tudo que eu ganhava vendendo pão durante um mês! Aqui era um paraíso para os pescadores”. Esse é o início da história do pescador Norberto dos Santos. A região de Três Marias, onde o rio São Francisco representa a principal fonte de vida e sustento da população, tem sido explorada por fortes interesses econômicos, principalmente pela atuação da siderúrgica Votorantim Metais.

 

Norberto conta que, “em 1969, a Votorantim começou a funcionar. Foi o maior desastre ecológico que já vi. Matou tudo, até barata d’água morreu. A empresa jogava os resíduos no córrego Consciência, que ia direto pro rio. De 1969 até 1990, todos os anos era essa tragédia. Os peixes morriam por asfixia porque não tinha oxigênio. A água ficava vermelha de tanto resíduo. Em 1997 estourou um cano na empresa e morreram 50 toneladas de peixes. A partir de 2004, começaram a morrer os “nobres” do São Francisco, que são os surubins. Até surubim de 90 quilos apareceu morto! De 2004 a 2008, nós calculamos que perdemos no mínimo 5 mil exemplares de matrizes reprodutoras. São fêmeas que pesam uns 40 quilos e cada uma tem 4 quilos de ovos, com 2 mil ovos por grama. No total calculamos que devem ter morrido 100 toneladas de surubim. E continuam morrendo.”

 

O Pescador Moisés dos Santos conta uma história semelhante. “Nasci na beira do São Francisco. Sou filho de pescador e minha família vivia da pesca. Mas a chegada da Votorantim afetou todo o ecossistema. Nós dependemos do rio para sobreviver”.

 

Os resultados de diversos relatórios técnicos confirmam índices altíssimos de contaminação por metais pesados na água, sedimentos e peixes. Um relatório do SISEMA (Sistema Ambiental do Estado de Minas) constatou que o nível de zinco nas águas do córrego Consciência, afluente do São Francisco que recebe dejetos da Votorantim, atinge o alarmante índice de 5.280 vezes acima do limite legal. O Cádmio apresenta uma quantidade 1140 vezes acima do permitido, o chumbo 46 vezes e o cobre 32 vezes acima do limite legal.

 

Sobre a morte de peixes, o relatório do SISEMA concluiu que isto ocorre porque "O efluente da CMM (Companhia Mineira de Metais ou Votorantim Metais) em estado coloidal, após diluição pelas águas do rio São Francisco, deposita-se nas guelras dos peixes na forma de uma película impermeabilizante, provocando morte por asfixia. Esta hipótese é viável, pois a concentração de zinco e outros metais pesados tem sido mais elevada nas partes externas dos peixes. Outra hipótese, seria o acúmulo destes elementos na cadeia alimentar, fenômeno que seria agravado quando da ocorrência de concentrações muito elevadas de zinco nas águas, acelerando o processo de intoxicação."

 

Além dos laudos técnicos, qualquer pessoa pode constatar a presença de metais nas margens do rio. Navegando no córrego Consciência, é possível coletar resíduos tóxicos no solo de suas encostas. De 1969, quando a empresa começou a funcionar, até 1983, quando foi construída a primeira barragem de contenção de resíduos, não houve nenhum controle ambiental. Mesmo após esse período, não houve um controle eficaz da poluição.

 

“As barragens que foram feitas para conter a contaminação estão na beira do rio e não são impermeabilizadas. Além disso, essas barragens têm bombas que jogam os resíduos diretamente no rio. Nossos poços artesianos estão contaminados. Dependemos de caminhão pipa porque não temos água potável. O tamanho da destruição é incalculável. Mas, além da empresa, eu culpo também os órgãos ambientais, que não fazem nada. Só mandam o batalhão de choque para fiscalizar os pescadores”, explica Norberto.

 

Exames realizados pela FUNDACENTRO na população local constataram contaminação por arsênio, manganês e zinco. “É muito sofrimento pra gente que vive na beira do rio. Os olhos e o nariz ardem tanto que parece pimenta. Vem aquela poeira cor-de-rosa e a boca fica seca, às vezes até ferida. Irrita a pele e resseca o cabelo. A gente não pode beber a água do rio e nem lavar roupa. Agora meus filhos não podem viver da pesca. Vão fazer o quê? É o fim do mundo”, conta Maria dos Santos, moradora da região.

 

Cleide de Almeida, que mora em uma ilha no local, explica que, “as hortas morreram, tinha muita fruta antes, mas as árvores morreram. Até a água subterrânea está contaminada. A Votorantim acabou com muita coisa. Quando desce o minério pela encosta do rio fica um cheiro ruim e mata as plantas. Até os peixes vivos ficam fedendo. Quando bate o vento do lado da empresa, dá tanta tosse que não tem remédio que cure. Tem menino novo encostado, que pegou câncer e se aleijou trabalhando pra empresa. E o Antonio Ermírio é o homem mais rico do Brasil! Coitado do rio, não tem dó. Tem que tratar dele desde aqui. E imagina que esse rio vai até Pernambuco”!

 

O Sindicato dos Metalúrgicos de Três Marias possui registro de 145 trabalhadores que foram afastados da Votorantim Metais por doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho. Os documentos demonstram que a partir de 2000 a situação piorou, pois a empresa instituiu um programa de reestruturação produtiva que reduziu o número de trabalhadores e aumentou a jornada de trabalho.

 

“Fui afastado em 2003. Tive que fazer uma cirurgia na coluna e depois fui despedido. O trabalho braçal acabou com a minha saúde. Com a reestruturação da empresa, tínhamos que trabalhar mais rápido”, afirma o operário Carlos de Lima. Outros trabalhadores têm histórias parecidas. “Diminuiu o pessoal e aumentou o trabalho. Isso arrebentou a gente. Meu ombro estourou e hoje sou aposentado, mas não recebi seguro. Por isso tem muita gente doente que continua trabalhando”, conta Pedro de Souza.

 

Para não conceder aposentadoria, a empresa obriga os funcionários a trabalharem doentes, através de um suposto programa de reabilitação. Depois de alguns meses, muitos são despedidos e perdem o plano se saúde. “Tive artrose no ombro. Fiz duas cirurgias, mas não tive melhora. Tenho limitação para mexer o braço. O médico falou que era só problema da minha cabeça e que eu podia voltar para a mesma função. Eu aplicava remédio para dor e continuava a trabalhar”, explica o operário Geraldo Leite.

 

Outro problema, como denuncia Adimilson Costa, é que “os trabalhadores sofrem com o esforço repetitivo e também com contaminação com cádmio e chumbo. Quando precisamos de mais de um exame, os médicos não autorizam. Por exemplo, não podemos fazer mais de uma ressonância magnética para comparar e ver se melhoramos com o tratamento”.

 

A historia de Sérgio de Almeida não é diferente. “Eu trabalhava nos fornos, com óxido de zinco. Carregava lingote de até 70 quilos. Antes o turno era de seis horas, mas depois passou pra oito horas. A empresa fazia competição entre as turmas para ver quem trabalhava mais. Sofri um acidente de trabalho e fui afastado. Meu tratamento foi interrompido em dezembro porque a Votorantim diz que não tem responsabilidade. A médica perita do INSS é esposa do gerente e mora dentro das dependências da empresa. Não paga aluguel, água, luz, nada. O chefe dos peritos do INSS já trabalhou para a Votorantim e agora tem uma psicóloga que é a “olhera”. Quer saber nossos problemas para contar para a empresa. Quando fazemos manifestação na porta da fábrica a polícia chega batendo com cassetete. Os fiscais do IBAMA avisam quando vão fazer inspeção. Aí o gerente manda esconder tudo”. Há também casos de acidentes graves, como conta Carlos Roberto. “Comecei a trabalhar na Votorantim em 1986. Em 1991, sofri um acidente e queimei metade do corpo com zinco. Fiquei quatro anos em tratamento e fiz seis cirurgias. Não posso exercer atividades no calor ou carregar peso, mas a empresa me obrigou a trabalhar através do programa de reabilitação que criou com o INSS. Como precisava pegar peso, em 2003 tive que fazer outra cirurgia porque tive uma trombose na perna”.

 

Vanderlei Oliveira explica que teve que se aposentar com 26 anos porque trabalhava no setor de fundição e sofreu um desligamento no ombro. “Fiz cirurgia, mas fiquei com seqüelas e o ombro atrofiou. Mesmo assim, fui liberado para voltar a trabalhar carregando peso. Aí adquiri hérnia de disco”, explica.

 

Para o metalúrgico Isac Laurentino, há ainda o problema da discriminação de trabalhadores doentes. “Fui afastado em 2004 com problemas no ombro e na coluna. Depois de um ano, a empresa mandou que eu voltasse para mesma função. Sinto muitas dores, mas tenho que trabalhar com fundição de zinco. A empresa cria conflito e competição entre os funcionários e os outros acham que eu não estou doente. Tenho que cumprir a reabilitação, senão vou ser despedido. Outros colegas têm medo de dizer que estão doentes, para não ser discriminados. A família sofre, a gente passa vergonha”.

 

O poder da Votorantim, que domina a economia local, dificulta a organização dos trabalhadores. “É difícil organizar porque a empresa quer nos desunir. Então tenta cooptar, ameaça despedir quem não depor a favor dela. Sempre formam chapa branca para ganhar a eleição do sindicato, mas nunca conseguiram”, explica o sindicalista Jorge Mendes.

 

A impunidade da empresa é um dos principais problemas, como afirma o operário Valter Ramos. “A Votorantim tem influência na justiça e na política. Por isso polui o rio, a gente fica doente e não acontece nada. A empresa despeja resíduo de cádmio, zinco, chumbo, arsênio, cobre, cério e lantânio nas margens do rio. Não nasce nem capim”.

 

A opinião dos operários coincide com a dos pescadores. Norberto dos Santos conta que sua pele fica ferida só de entrar em contato com o lodo do rio. “As algas ficam vermelhas e deixam nossa pele em carne viva. Vários pesquisadores de universidades já constataram a presença de arsênio, chumbo, zinco, cádmio e outras substâncias tóxicas na água. O pior é que não sabemos o que fazer. Não tenho esperança nas ações do Ministério Público. Eles dizem que dependemos da boa vontade da empresa e que devemos aceitar o que oferecem. Dizem que a justiça é lenta, que os processos podem demorar mais de 50 anos e nós morremos antes disso”.

 

Para o pescador Moisés dos Santos, a solução é a organização popular. “Os termos de ajuste de conduta que a empresa assina com o Ministério Público, mesmo sendo paliativos, não são cumpridos. Se cumprissem a lei, a Votorantim seria fechada. Em dezembro de 2006, paramos a BR por 13 horas para protestar contra esse descaso. Só assim vamos conseguir alguma coisa”.