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Por Maria Luisa Mendonça*

A crise climática passou a ser um dos temas centrais da atualidade e, como era esperado, há diversas interpretações e interesses em jogo no contexto deste debate. De um lado, há uma série de propostas de mercantilização de políticas ambientais, em contraste com uma análise crítica sobre razões estruturais das mudanças climáticas. Outra polêmica pode ser resumida entre uma falsa oposição de “ambientalistas” e “desenvolvimentistas”.

No âmbito dos fóruns governamentais, passaram a ocorrer as Conferências das Partes (COP), sendo que a mais recente foi realizada em Copenhagen, em dezembro de 2009. Este espaço tem sido marcado por políticas neoliberais de privatização de bens naturais, como o mercado de carbono, previsto no Protocolo de Quioto. Este tipo de projeto tem beneficiado grandes empresas e latifundiários, que lucram com a expansão dos chamados “desertos verdes”, por exemplo, o monocultivo de eucalipto, soja e cana.

A frustração de movimentos sociais diante das posições deste fórum gerou a convocação para a Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas, em abril de 2010, em Cochabamba. O encontro, que reuniu mais de 30 mil pessoas, expressou a convicção de organizações sociais dispostas a colocar o tema de forma aprofundada. “O capitalismo é sinônimo de inanição, de desigualdade, de destruição. Ou morre o capitalismo, ou morre a Terra”, resumiu o presidente boliviano Evo Morales na cerimônia de abertura.

O contraste entre o conteúdo das conferências de Copenhagen e Cochabamba reflete o centro do atual debate, ou seja, é preciso reconhecer que há agentes principais destruidores e poluidores, que devem ser claramente identificados. A declaração dos movimentos reunidos na Cúpula dos Povos responsabiliza as grandes empresas, governos e parte da comunidade científica, que se apropriam do discurso ambientalista visando expandir a privatização da natureza e o poder do capital.

Itelvina Masioni, dirigente do Movimento Sem Terra, explica que os camponeses são os mais afetados pelo impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos e, ao mesmo tempo, sofrem com a expulsão de suas terras pela pressão da indústria de agrocombustíveis —uma falsa alternativa para combater o aquecimento global, já que expandem o monocultivo e a destruição ambiental. Por outro lado, a agricultura camponesa, baseada na agroecologia e na democratização da terra, representa uma real solução para a crise climática. “Temos compromisso com as gerações futuras e, por isso, é preciso pressionar os governos por ações concretas, a partir da luta local, em nossos territórios”, defende Itelvina.

O centro do debate, portanto, é a mudança do modelo econômico e do chamado “desenvolvimento”. Porém, o discurso difundido por grandes empresas poluidoras (como petroleiras, mineradoras, de agricultura extensiva, automotivas, entre outras) coloca a crise ambiental como um problema individual. Ou seja, se todos somos culpados, ninguém tem culpa. É claro que nossas opções individuais cumprem algum papel na preservação de bens naturais, mas o foco neste ponto esconde a responsabilidade dos principais agentes da destruição ambiental.

A apropriação do discurso ambiental visando o lucro mostra que é simplista dizer que necessariamente existe uma oposição “ambientalismo / desenvolvimentismo”. O uso destes dois termos merece algumas considerações. Por um lado, há a ideia de “responsabilidade social”, difundida por grandes empresas que burlam regularmente a legislação ambiental e trabalhista. Para esconder práticas destrutivas, estas empresas montam projetos sociais pontuais, como forma de propaganda e para conseguir benefícios fiscais. Os projetos de “responsabilidade” social e ambiental premiam empresas que sistematicamente violam direitos básicos.

“Grandes empresas passaram a utilizar a questão ambiental como forma de aumentar suas taxas de lucro. No caso da energia, por exemplo, o falso discurso da escassez serve para justificar o controle sobre bens naturais, como terra e água. É preciso aprofundar este debate na sociedade, fazer o trabalho de base e combater as falsas alternativas de grupos econômicos que procuram mercantilizar o tema das mudanças climáticas”, avalia Gilberto Cervinski, do Movimento dos Atingidos por Barragens.

O discurso desenvolvimentista serve para defender grandes projetos de infraestrutura, que têm como base o monopólio sobre bens naturais e um modelo econômico centrado na exportação de produtos primários, a partir de uma demanda externa. Em alguns casos, este tipo de política é confundida com a teoria marxista de desenvolvimento das forças produtivas. Para começar, um dos fundamentos do pensamento marxista é a crítica à propriedade privada.

Em O Capital, Marx explica que uma forma de renda diferencial da terra se dá através da apropriação de recursos naturais como objetos de monopólio, que geram lucro suplementar. Segundo esta tese, o título de propriedade sobre uma parcela do globo terrestre significa que “parte da sociedade exige da outra um tributo pelo direito de habitar a terra”. Portanto, “na propriedade fundiária se inclui o direito do proprietário de explorar o solo, as entranhas da terra, o ar e, por conseguinte, o que serve para conservar e desenvolver a vida”.

Os resultados de projetos “desenvolvimentistas” no Brasil, como as grandes barragens, a mineração e o monocultivo extensivo são devastação, violência e destituição dos meios de subsistência dos trabalhadores, com o objetivo de beneficiar grandes empresas nacionais e estrangeiras. Portanto, não podemos dizer que serviram para desenvolver o país, no sentido de trazer melhorias no padrão de vida da sociedade.

O estágio atual da análise sobre estas questões é singular, já que vivenciamos os efeitos das múltiplas crises deste modelo econômico. O conceito de justiça climática ajuda a difundir propostas ecológicas a partir da luta concreta dos povos por seus direitos básicos de sobrevivência.

[*Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos].