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Plácido Junior*

 

O tema do Etanol e/ou dos Biocombustíveis, nos últimos meses, vem tomando a cena nos meios de comunicação, seja escrito, seja televisível. É apresentado para todos como a “salvação” da crise ecológica em que vivemos. O discurso utilizado se alicerça na crise dos combustíveis fosseis e do aquecimento global do planeta. Para isso, foi criado o Protocolo de Kioto, que tem dentre outros mecanismo de “combate” a crise ecológica, o MDL – mecanismo de desenvolvimento limpo, que se baseia no plantio de monocultivos, redução dos combustíveis fosseis e nas construções de hidrelétricas.

 

No entanto observamos que esse discurso é uma grande falácia. Os paises que hoje estão propondo diminuir a emissão de CO², dióxido de carbono, são justamente os que mais poluíram, e polui, e os que mais destruíram suas florestas.

 

Em nenhum momento se ouvi falar em mudanças no padrão de consumo, nem questionar o modelo de crescimento econômico adotado pelos paises industrializados historicamente. A União Européia determinou a substituição de 5,75% de seu combustível por biodiesel e os EUA odotou uma política de incentivo de adição de biodiesel ao diesel. No entanto diversas pesquisas demonstram que tanto a Europa quanto os EUA não tem terras agricultáveis suficientes para tais mudanças.

 

Neste contexto, a América Latina, e em particular o Brasil, que tem experiências de produção de etanol, ainda que desastrosa, aparecem como grande salvador dos problemas que não criamos.

 

Seguindo a política dos paises industrializados e das companhias transnacionais, o Governo Lula, em seu segundo mandato, tem como prioridade, desenvolver uma política energética baseada nas construções de hidrelétricas e na ampliação do plantio de cana de açúcar para produção de etanol e para o processo de fabricação dos biocombustíveis.

 

Para isso o Governo brasileiro encomendou uma pesquisa à UNICAMP, onde demonstra as áreas de expansão da cana-de-açúcar. Segundo esta pesquisa, o Brasil passaria de 6,5 milhões de hectares plantados com cana atualmente, para 21,5 milhões de hectares plantados com cana até 2025. Ou seja, mais que triplicaria a área plantada.

 

Em estudo do Ministério de Minas e Energia para produção de biocombustíveis com soja, mamona, dendê, girassol, amendoim, maciços verdes, que segundo o governo atingirá todo território nacional, vai junto também o plantio da cana-de-açúcar.

 

Desta forma, o monocultivo da cana-de-açúcar irá se associar com outros setores do agronegócio, a soja por exemplo, para produção do biocombustível, como avançará sobre comunidades tradicionais, áreas de assentamentos e sobre a produção camponesa, transando conseqüências danosas ao meio ambiente e soberania alimentar.

 

No Brasil, em particular Sã Paulo e Pernambuco, já se tem uma experiência acumulada da expansão do monocultivo da cana. Trata-se do período do Pró-álcool, em meados da década 70 do século passado, onde com o mesmo discurso da crise dos combustíveis fosseis, desenvolveu, no Brasil, uma política de produção de etanol.

 

Estima-se que mais de 300.000 mil famílias foram expulsas da terra no Estado de São Paulo com a implementação do Pró-álcool. O aumento da superexploração da mão-de-obra e da migração de milhares trabalhadores é outra marca dessa expansão.

 

Em Pernambuco, os órgãos de classes, sejam dos trabalhadores, seja patronal, estima uma perca de mais de 150.000 empregos na atividade canavieira. Foram mais de 40 mil famílias expulsas da terra. Restam apenas, segundo o IBAMA, 2,5% da Mata Atlântica, em decorrência os desmatamentos para a expansão da cana-de-açúcar. Como conseqüência, houve uma aumento das favelas em torno das capitais, aumento do desemprego e da violência no campo, bem como, a diminuição da produção de alimentos.

 

Não resta dúvidas que os interesses das companhias transnacionais e dos países industrializados, reforçado pelo Governo Brasileiro, querem utilizar nossos recursos naturais, sobretudo, água e terra, para ampliar as margens de lucro do agronegócio. Por isso há tanto interesse das transnacionais Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer, BASF, Cargill, Archer, Daniel Midland, Bunge, que são quem produzem os transgênicos e controlam a produção de cereais no mundo, em investir nos biocombustíveis.

 

Sem dúvidas é uma política suicida. O aumento do monocultivo da cana-de-açúcar tornará o Brasil em um verdadeiro deserto verde, concentrando mais terras e mais água nas mãos de uma pequena minoria, cada mais vez estrangeira. A sobrevivência dos nossos biomas e toda biodiversidade está sob o julgo das grandes transnacionais. O aumento da superexploração da mão-de-obra, um dos fatores que torna o etanol brasileiro mais “competitivo” no mercado internacional, aumentará. Quantos Severinos morreram nos canaviais, decorrente do trabalho estafante? A produção camponesa está ameaçada, e com ela, todo conhecimento tradicional e suas culturas. Quanto custará nossos alimentos, se a produção camponesa que é responsável por 80% dos alimentos que chegam em nossas mesas, os que ainda chega, for substituída pela produção de etanol?

 

Há quem pense uma mudança por dentro desse modelo. Propostas como a do Governo Brasileiro de incluir a agricultura familiar na produção de biocombustíveis  para dar um caráter social ao modelo, ou tentá-lo humanizá-lo, não resolve, ao contrario, submete os agricultores e agricultoras aos interesses do agronegócio, ameaçando nossa soberania alimentar.

 

As respostas para atual crise ecológica estão na superação do atual modelo. Não há perspectiva de saída da crise dentro do modelo que gerou a própria crise. Contra o inimigo comum há de pensar em estratégias conjuntas. Mas que nunca é necessário à unidade no campo, assalariados rurais, comunidades camponesas e os assentados da reforma agrária.

 

A luta dos assalariados da cana por melhores salários, melhores condições de trabalho, e controle da produção, só tem sentido se for na perspectiva de acumular força para mudar o modelo. O fortalecimento da agricultura camponesa, nas bases da agroecologia e a reforma agrária, se apresentam com as lutas mais diretas contra forma de impor uma derrota as classes hegemônicas.

 

Faz-se necessário unificar as lutas e a formação de base. É na base, onde os efeitos destrutivos do monocultivo da cana-de-açúcar e da produção de biodiesel aparecem de forma mais cruel. Também é na base que as respostas já começa aparecer. Cabe-nos ampliá-las e fazê-las tomarem corpo.

 

* Plácido Junior é Agente da Comissão Pastoral da Terra/PE