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Cartilha


6. Brasil


Foto: Dirce Ostroski


População: 169,79 milhões (2000)
Área geográfica: 8.514.204 km2
Forma de Governo: República presidencialista

O Censo Agropecuário de 1996, produzido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), constatou que as terras tidas em descando (até quatro anos sem utilização) somam cerca de 25 milhões de hectares, ou seja, em torno de 60% da área total detectada com lavouras permanentes e temporárias.

O país possui uma das mais perversas e concentradoras estruturas fundiárias do mundo, ostentando um índice de Gini próximo a 0.9. Esse índice beira a concentração absoluta, resultado de um modelo agrícola e agrário excludente, exacerbado a partir dos anos 1960 e 1970 pela implementação da Revolução Verde.

De acordo com os dados do Censo de 1996, o número total de estabelecimentos agrícolas no país é de 4,8 milhões e a área ocupada corresponde a 353,6 milhões de hectares. Desse total de estabelecimentos, os minifúndios (áreas menores do que um módulo fiscal) e as propriedades com menos de 100 hectares representam 89,1% do total de estabelecimentos e ocupam uma área que corresponde a 20% do total da área ocupada.

No outro extremo da estrutura fundiária, as grandes propriedades (acima de mil hectares) constituem apenas 1% do total de imóveis, ocupando 45% do total da área cadastrada. Neste extremo da estrutura fundiária destaca-se a presença de mais de 35 mil imóveis considerados latifúndios improdutivos. Esse número corresponde a 1% do total dos estabelecimentos ocupando uma área de 166 milhões de hectares.

Os dados da estrutura fundiária demonstram que, em 1970, os estabelecimentos com menos de 100 hectares representavam 90,8% dos estabelecimentos totais, detendo 23,5% da área. No Censo de 1996, o número desses estabelecimentos experimentou uma queda para 89,3%, acompanhada da redução de área para 20% da área total. Em contraposição, os estabelecimentos com área acima de mil hectares representavam, em 1970, 0,7% do total e detinham 39,5% da área total. Em 1996, passaram a representar 1% do número total de estabelecimentos e acumular 45% da área total.

O Neoliberalismo no Campo

No início do segundo mandato, em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso inaugurou uma "nova política agrária" denominada de Novo Mundo Rural. Essa política estava centrada em três questões chaves que materializam uma ruptura em relação ao discurso e à prática do primeiro período do governo FHC.

O primeiro referencial é a redução da política agrária em uma simples política compensatória. Seguindo à lógica de organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial, a reforma agrária se transformou num instrumento para "aliviar ou combater a pobreza rural". O acesso à terra é tratado como um meio de amenizar os problemas sociais no campo. A democratização da propriedade fundiária não é vista como uma forma de distribuir renda e possibilitar mudanças no modelo de desenvolvimento.

O segundo elemento importante é a descentralização das ações fundiárias. Essa proposta é uma questão fundamental nos rumos atuais da política agrária, representando um processo de "desfederalização". Todos os programas, projetos e propostas de políticas para o setor agrário tomam como referência a necessidade de descentralizar as ações, estabelecendo uma relação entre "descentralização, democratização e eficiência".

Essa descentralização, no entanto, não significa democratização e maior participação das pessoas e famílias diretamente interessadas. Representa uma delegação de poderes para estados e municípios, bem mais próximos e mais suscetíveis à influência política da oligarquia rural (ainda com poderes políticos sobre amplos setores do Estado). A descentralização, portanto, em vez de ser uma solução (gerando maior eficiência e agilidade) é uma forma de inviabilizar as ações de reforma agrária.

Programas e projetos como o Cédula, Banco da Terra e Crédito Fundiário são mecanismos que permitem consolidar essa "desfederalização" ou descentralização, provocando o esvaziamento e a destruição da reforma agrária. Esses programas permitem transferir a responsabilidade, não para Estados e Municípios, mas para o mercado, mais especificamente para os latifundiários. Conseqüentemente, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) perde a sua função, justificando cortes no orçamento e contenção de despesas, reforçando o modelo de enxugamento do Estado e privatização de suas responsabilidades.

O terceiro elemento constitutivo do Novo Mundo Rural é a mercantilização das demandas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Essa mercantilização assume diversas formas, mas a implantação da assim chamada "reforma agrária de mercado" é o referencial mais explícito dessa proposta.
Essas características estão de acordo com as diretrizes e políticas estabelecidas pelo Banco Mundial para os programas de "alívio à pobreza", o qual não se restringe à reforma agrária de mercado, mas "propõe" uma série de mudanças (inclusive a descentralização) como receita para promover o desenvolvimento econômico do país.

As Políticas do Banco Mundial

O programa Cédula da Terra resulta de uma parceria entre o Governo Federal e o Banco Mundial através do Acordo de Empréstimos 4147-BR. Concebido inicialmente para ser um projeto piloto, o Cédula foi anunciado oficialmente em 1996, tendo sido implementado no ano seguinte em cinco estados da região Nordeste (Ceará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e norte de Minas Gerais). Sua implantação nestes Estados tem sido justificada pela enorme concentração de pobreza no Nordeste do país.

O projeto Cédula da Terra consistiu basicamente na criação de uma linha de crédito para a compra de terras por trabalhadores sem terra ou minifunditas. Os trabalhadores se reuniam em associações, legalmente constituídas, as quais seriam responsáveis por negociar diretamente a compra com os proprietários. As associações deveriam indicar a terra que seria então adquirida mediante financiamento disponibilizado pelo Banco, o qual, após aprovado o projeto pela unidade técnica estadual, pagava diretamente ao proprietário.

Embora concebido para ser um projeto piloto, já em 1999 (antes de qualquer tipo de avaliação), o governo brasileiro criou o Banco da Terra, nos mesmos moldes do Cédula. Apesar da promessa de apoio a esse novo projeto, o Banco Mundial decidiu financiar a implantação do Crédito Fundiário (um terceiro projeto criado em 2001). Essa mudança foi reflexo das pressões e questionamentos dos movimentos populares e ONGs nacionais e internacionais. O Crédito Fundiário, no entanto, possui as mesmas características e objetivos do Cédula e do Banco da Terra, consituindo-se apenas em uma troca de nomes que mantém a proposta e os recursos do Banco Mundial no Brasil.

O Cédula da Terra é concebido e implementado a partir das regras de mercado, especialmente no que se refere à aquisição das terras. Isso significa que o projeto só pode adquirir áreas que estão à venda. Além do mercado de terras no Brasil ser incipiente, a pouca disponibilidade de recursos força a aquisição de áreas mais baratas e de baixa qualidade. Não é o preço de mercado das terras que é reduzido pelo processo de negociação (capacidade e poder de barganha dos compradores), mas a baixa oferta e a falta de recursos força a aquisição de áreas mais baratas, distantes do mercado e de baixa fertilidade.

O limite de recursos para a compra das áreas é um dos problemas no processo de compra. Esse limite leva a implantação dos projetos em regiões menos dinâmicas, de terras menos valorizadas, fracas e com sérias limitações de produção. Essas limitações refletem diretamente na capacidade produtiva e condições para cumprir compromissos assumidos, como o pagamento da terra.

As famílias tiveram pouca ou nenhuma influência nas decisões (escolha das áreas) e no processo de negociação. Em geral, essa negociação é feita pelos órgãos governamentais responsáveis que decidem, em última instância, os rumos do negócio, inclusive a partir dos limites de recursos.

A Posição dos Movimentos Sociais

Os movimentos populares fazem duras críticas à proposta do Banco Mundial de "reforma agrária de mercado". Essas críticas têm como base diferentes perspectivas, as quais vão desde questionamentos sobre a capacidade do mercado em democratizar a propriedade da terra até dúvidas sobre os reais objetivos desse tipo de projeto.

De acordo com essas críticas, no Cédula há uma tentativa de retirar a dimensão ideológica e política de uma reforma agrária no Brasil. O mecanismo de compra e venda serve para retirar o caráter conflitivo da luta pela terra e para isolar os movimentos e entidades que lutam por uma ampla reforma agrária.

De acordo com o Banco Mundial, esse projeto deveria permitir a "pacificação" do campo. Em vez de conflitos (ocupação de terras e demandas por reforma agrária) as famílias deveriam negociar, pacífica e diretamente, a compra e venda de terra com os latifundiários. Esses, por sua vez, teriam interesse no programa porque receberiam dinheiro (e não títulos descontáveis em 20 anos) por suas terras improdutivas.
Além disso, esses projetos (Cédula, Banco da Terra e Crédito Fundiário) servem como auxiliares no processo de descentralização. Há um esforço para transferir os custos financeiros e políticos da reforma agrária para Estados e municípios. Nessa lógica, o Cédula foi implementado pelos Estados e os custos repassados às próprias famílias sem terra. Essa é uma das contribuições do Ministério do Desenvolvimento Agrário para o esforço fiscal. A diminuição de gastos tem resultado também no desmonte do INCRA, que deixa de ter atribuições diante do mercado de terras.

Os recursos do Cédula têm servido como um instrumento de desarticulação das bases das entidades e movimentos populares agrários que lutam pela terra. A disponibilidade de recursos para a compra da terra - associado ao discurso de uma reforma agrária pacífica, sem a necessidade de ocupar terra - serve para desmobilizar as pessoas que desejam um pedaço de chão para trabalhar. Essa desarticulação terá continuidade através da implantação do Banco da Terra e do Crédito Fundiário, também financiados com recursos do Banco Mundial.

Texto baseado em NETO, Manuel Domingos - O Novo Mundo Rural Brasileiro, SAUER, Sérgio - As políticas do Banco Mundial no Brasil: Um Estudo sobre o Cédula da Terra

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