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Cartilha


4. México


Foto: Maria Luisa Mendonça

População: 98,9 milhões (2000)
Área geográfica: 1.972.547 km2
Forma de Governo: República presidencialista

Em 1991, o Presidente Carlos Salinas anunciou sua proposta de emenda do Artigo 27 da Constituição de 1917, que resultara da Revolução Mexicana. O artigo tratava da reforma agrária: garantia o direito à terra para todos os camponeses, a expropriação dos latifúndios e a alocação de terras, não de forma individual, mas para os ejido(1). Sua modificação implicou na possibilidade de se dividir o ejido, propriedade comunal e inalienável, em pequenas propriedades privadas, assim como no fim da distribuição de terras.

Breve Histórico

A luta pela terra tem sempre guiado os movimentos sociais, ao longo da história mexicana. As principais reivindicações da Revolução de 1910 eram de que as terras, florestas e recursos hídricos fossem expropriados dos grandes proprietários e entregues aos camponeses sem-terra para estabelecer ejidos e colônias agrárias. (2)O governo pós-revolucionário concebeu a criação dos ejidos como uma forma de organização produtiva e de representação de camponeses organizados e, ainda, como um instrumento de controle político.

Entre 1915 e 1934, as seis administrações redistribuíram 10 milhões de hectares, enquanto que o Presidente Cardenas, em seis anos (1934-1940), entregou cerca de 19 milhões para 729.000 ejidatarios.
O novo Código Agrário, iniciado na administração de Cardenas, estabeleceu os meios legais pelos quais os trabalhadores das fazendas (peões) poderiam tornar-se donos de terras. Com a rápida distribuição fundiária, finalmente o ejido tornou-se uma forma permanente de posse no interior.

No período de 1940 a 1958, conhecido como Contrareforma, as políticas agrárias foram modificadas de modo a destinar as melhores terras para os médios e grandes fazendeiros e o limite da pequena propriedade foi ampliado para 100 hectares de terra fértil ou equivalente em áreas de qualidade inferior.

Desde 1970, a agricultura de subsistência, baseada em práticas tradicionais de produção dos camponeses (uso de tração animal, sementes nativas, controle biológico, fertilizantes orgânicos, rodízio de culturas) foram degradadas por procedimentos inadequados de modernização tecnológica, implantados por organizações governamentais de pesquisa e desenvolvimento rural.

As administrações de Lopez Portillo (1976-1982) e De la Madrid (1982-1988), mais uma vez, fizeram modificações similares às da Contrareforma dos anos 40 e 50, procurando substituir a reforma agrária por políticas destinadas ao aumento da produtividade. Os pequenos produtores foram postos de lado, enquanto a agricultura de larga escala e os pecuaristas receberam a maioria dos subsídios, investimentos e ajudas financeiras.

Após os anos 80, acabaram os subsídios para o setor rural. O México começou a investir em outros setores para ser globalmente competitivo. Os ajustes estruturais acompanharam as idéias persistentes de promover investimentos estrangeiros no agricultura. O governo não possuía uma política de soberania alimentar, considerando a produção de grãos em pequena escala como não lucrativa e incapaz de atrair investimentos. A partir de 1988, a fonte de crédito para agricultura mudou dos bancos de desenvolvimento, como o Banrural, para os bancos comerciais.(3)

Após mais de seis décadas, a reforma agrária mexicana apresentava como principais resultados: os pequenos produtores intensificaram a produção e a comercialização, mantendo suas rendas embora cultivassem áreas menores; evitou o êxodo rural da população, que de outro modo poderia estar desempregada nas cidades; impediu a inquietação no meio rural enquanto a economia se desenvolvia; tornou seus beneficiários os principais produtores de alimento de consumo primários no país. Contudo, teve aspectos falhos, tais como: pouca preservação ou conservação dos recursos naturais existentes nas áreas integradas ao processo produtivo agrícola; lenta distribuição dos titulos de terra; fornecimento tardio e inadequado de crédito e assistência técnica, deixando muitos beneficiários desiludidos e acarretando a diminuição de seu potencial econômico. E, ainda, alguns proprietários rurais não foram afetados pela reforma agrária devido às suas conexões políticas ou subterfúgios, gerando uma certa injustiça no processo; a distribuição de terras foi usada como uma forma de apadrinhamento político, freqüentemente servindo para reprimir os camponeses e mantê-los em "seu lugar"; muitos camponeses não se beneficiaram.

O Neoliberalismo no Campo

A eliminação dos subsídios e a privatização ou extinção de muitas agências públicas do setor rural afetaram o acesso a crédito, seguro, mercados, fomentos modernos, sementes, água, assistência técnica e infra-estrutura básica; aumentaram os custos dos insumos e serviços. O abandono dos camponeses pelos programas do sistema financeiro rural e o fechamento da Seguradora Nacional Agrícola e Pecuária S.A. faziam parte do desmonte do setor rural. Cortes no empréstimo eram casados com o redirecionamento dos empréstimos para os grandes fazendeiros, enquanto o esvaziamento das instituições era acompanhado pelo fracasso em estabelecer agências financeiras privadas nas comunidades.

Uma outra falha da nova reforma é a incapacidade do sistema financeiro rural em prover o setor com capital para investimentos de longo prazo em "tecnologias competitivas".

Em 1992, uma emenda ao artigo 27 foi aprovada por 388 votos a favor e 45 contra. Os objetivos da nova lei eram diminuir o crescimento do minifúndio, promovendo investimentos para aumentar a produção(4), com a promessa do presidente Salinas de gerar mais empregos e criar organizações para os trabalhadores agrícolas. A emenda veio no bojo de um pacote de reformas neoliberais que incluíam a criação da Zona de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, incluindo Canadá, México e os Estados Unidos); a privatização de empresas estatais; a desregulamentação dos mercados de produtos agrícolas; a privatização do gerenciamento de irrigação(5).

Críticos da emenda do Artigo 27 consideram que suas principais conseqüências foram a ruptura do contrato social rural, a privatização do ejido(6), a destruição das comunidades agrárias indígenas, a criação de novas formas de concentração fundiária e a expulsão de milhões de famílias rurais para as cidades.

As formas mais comuns de acesso à terra no México eram o arrendamento, o aluguel, a hipoteca, o empréstimo e a parceria. De acordo com alguns estudiosos, após a reforma do Artigo 27 e com o PROCEDE (Programa de Certificação dos Direitos Agrários e Titulação da Habitação Urbana), o mercado de terras tem aumentado na forma de compra e venda, arrendamento e outras formas de transação de terras entre os membros das comunidades rurais e com pessoas de fora. Estes autores observam que o crescimento populacional e distribuição por faixa etária estão relacionados à politização das transações da terra e o aumento do minifúndio. A distribuição de terra era um meio essencial de acesso à ela, que agora só é possível através de herança, compra, aluguel ou empréstimo. No caso dos camponeses pobres, apenas a herança garantia um pedaço de terra. Eles também observaram que onde prevalece o mercado de terras, uma minoria de proprietários locais ou estrangeiros controla as melhores áreas do ejido ou privatiza a terra comunal, enquanto um crescente número de camponeses está perdendo o acesso à terra.

Com a reforma, o setor do ejido sofreu um forte declínio em níveis tecnológicos, exceto no uso de algumas sementes aperfeiçoadas, como o milho. Os poucos ganhos tecnológicos destinaram-se aos grandes fazendeiros.

Para o pobre do campo, "a proclamada globalização não destruiu a cultura rural, mas tem tido um impacto. Os pobres rurais do México têm sido deixados para trás tecnologicamente e suas práticas agrícolas tradicionais, que eram suficientes no passado, agora têm sido deturpadas e desacreditadas pela nova ortodoxia, resultando em uma inevitável deteriorização do meio ambiente e um declínio na qualidade de vida rural".

Em 1995, 73% da população do México vivia na área urbana. Nas décadas recentes, mais de 60% do crescimento urbano ocorreu por meio da alienação ilegal das terras do ejido. O programa governamental "100 cidades" anunciou a urbanização de 120 mil hectares de terra de ejidos para a expansão das principais cidades mexicanas. O sistema de propriedade do ejido afeta muito mais do que o México rural; metade das terras comunais cerca as cidades que mais crescem no país.(7) A reforma de 1992 permite que os donos de terras comunais se associem com investidores privados ou vendam-nas para empresas de construção civil ou se tornem vítimas do desenvolvimento urbano, que destitui a comunidade de sua terra e identidade.

Mobilização Popular

A introdução das políticas de livre mercado e a retirada do empréstimo para o setor rural provocaram um descontentamento geral entre os produtores. Em julho de 1990, o Movimiento de los 400 Pueblos marchou em Poza Rica, Veracruz, exigindo a alocação de 80.000 hectares, crédito e assistência técnica; em setembro de 1990, cerca de 10.000 camponeses do Nordeste, do Bajo e do Sul marcharam para a Cidade do México exigindo, entre outras medidas, a modificação da política agrária. A principal crítica era de que a proposta da emenda do artigo 27 tinha sido imposta por interesses do Banco Mundial(8), do governo dos Estados Unidos(9), do conservador consórcio de empresários mexicanos e da tecnocracia liberal, representada pelo Ministério do Comércio.

Depois da revolução mexicana, os movimentos sociais foram conduzidos pelos camponeses pobres dos ejidos. A luta principal era por acesso à terra, mas, em alguns momentos, a produção tornou-se mais importante. Nos anos 60, os movimentos estudantis e o crescimento da Teologia da Libertação tiveram influência nas transformação das organizações camponesas.

Na administração de Portillo (1976-1982), a repressão das lutas pela terra tornou-se mais comum, os movimentos sentiram necessidade de se unir no âmbito regional e nacional e as demandas relacionadas à produção pareciam oferecer uma base melhor para a mobilização dos camponeses.

Em 1991, durante os acirrados debates que precederam a aprovação da emenda do Artigo 27, existiam três posições distintas no movimento camponês: a favor das modificações, mas com mudanças pequenas; radicalmente contra a reforma constitucional (com o apoio de diversas organizações); e uma posição intermediária.

A principal proposta dos camponeses foi a continuidade do contrato social de 1917 e sua expansão. Para tanto, exigiam uma política definida para alavancar a agricultura, com garantias de intensificar a produção rural do país e a auto-suficiência alimentar, para assegurar o envolvimento dos camponeses na administração e nos processos decisórios, assim como, para estimular e preservar a autonomia das organizações camponesas.

O futuro rural do México está sendo decidido. Dez anos depois da modificação do Artigo 27 e do acordo do NAFTA, pequenos e médios agricultores não têm podido competir com os produtores agrícolas dos Estados Unidos. Os camponeses vêm se organizando em um vasto movimento chamado El Campo No Aguanta Mas (O Campo Não Aguenta Mais), que inclui 12 organizações.

As reivindicações principais das organizações camponesas são uma moratória ao capítulo agrícola do NAFTA, a implementação de programas sociais para o período de 2003-2020, uma verdadeira reforma financeira no setor rural, a exclusividade do Congresso para modificar o orçamento do setor rural, o acesso à comida de qualidade e segurança alimentar para todos os mexicanos, o reconhecimento da cultura e dos direitos dos povos indígenas.


(1) O ejido é um produto exclusivo da reforma agrária mexicana.

O ejido tem influenciado muito na ordem econômica, social e política do setor rural do México. Sob esse aspecto, ele é uma entidade de produção e uma forma de organização social. Tem desempenhado um duplo papel econômico, como um produtor de bens básicos para a população urbana e como um refúgio para os pobres e desempregados do México. Ao mesmo tempo, tem freqüentemente sido o local de ações políticas coletivas." (Baños, 1998:32). "...a reprodução das moradias dos camponeses não pode ser apoiada apenas pela terra; os recursos que têm sido destinados do governo para o ejido (qualquer que seja o custo político) são indispensáveis." (Lopez e Moguel, 1998:222)

(2) O governo pagou pela expropriação da terra uma indenização equivalente a um terço de seu valor. A Dotación foi o principal mecanismo que garantia o ejido, sendo 80% das terras concedidas dessa forma. (Thiesenhusen, 1995)

(3) Os principais bancos comerciais são: FIRA (Fideicomisos Instituídos em Relación com la Agricultura/Fundo de Crédito para Agricultura), National Financeira (instituição de empréstimo para indústrias de pequeno e médio porte) e o Banco Nacional de Comércio Exterior (Mhyer, 1998; De Janvry, et. Al., 1997).

(4) A competitividade do México encontra-se ameaçada há tempos: aproximadamente 75% das terras agrícolas sofriam altos níveis de erosão, 16% estavam em processo de desertificação e, anualmente, cerca de 500 mil hectares de floresta eram perdidos (Morett, in Varo, 2000).

(5) "Com o Programa de Modernização Rural (parte do Plano de Desenvolvimento Nacional do México, de 1989-1994), o gerenciamento dos sistemas de irrigação foi transferido para os usuários da água, tornando-os responsáveis pela operação, manutenção e gerenciamento do sistema". (Whiteford, et. Al., 1998:384)

(6) Essa emenda acabou com o status jurídico especial do ejido, permitiu a venda de terras coletivamente controladas e criou novas pressões para os camponeses produzirem individualmente (Snyder, 1998).

(7) Em 1999, 51,4% do território rural estava sob o regime comunal ou de ejido (Roblis, 1999 in Appendini, 2001).

(8) Em fevereiro de 1990, o Banco Mundial publicou um documento sugerindo que o governo mexicano aprofundasse as modificações neoliberais no que concerne às leis agrárias.

(9) No decorrer das negociações do Acordo do Livre Comércio da América do Norte, o governo dos Estados Unidos exerceu pressão para mudar a lei agrária mexicana. No artigo 501 se lê: "As partes concordam em que seu objetivo principal é eliminar o maior número possível de barreiras ao comércio e subsídios e modificar as disposições relevantes nas regulações que distorcem o comércio, com o propósito de promover a competitividade, elevando a eficiência através de aumentos na escala de produção. "É importante salientar que, hoje, ambos os países têm altos subsídios e os Estados Unidos praticam severo dumping no milho exportado para o México.

Texto baseado em TANAKA, Laura Saldívar - A Reforma agrária mexicana: do Ejido à Privatização

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13. Bibliografia

14. Expediente